sexta-feira, 22 de junho de 2012

Matéria: "Sujou o tênis? Eu lavo. Deixou bagunça? Eu arrumo"

Esta matéria recebeu o primeiro lugar no prêmio Asi/Schaeffler, categoria estudante, no ano de 2012.


'Sujou o tênis, eu lavo. Deixou bagunça? Eu arrumo'

A história de Adriana, que adotou cinco crianças de uma só vez
Notícia publicada na edição de 22/06/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno Ela - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
Luiz Fernando Toledo
luiz.toledo@jcruzeiro.com.br


A voz pausada e rouca de Adriana soou por mais de uma hora. Confiante, e acima de tudo, entonada com orgulho pela história que contava. De sua casa, um espaço humilde situado em um morro de difícil acesso na Vila Astúrias, após uma longa escadaria que parte do bairro de Brigadeiro Tobias, ouviam-se palavras simples, mas irretocáveis, da mulher que tomou uma imensa responsabilidade para si, há um ano: assumir a guarda de cinco crianças que foram separadas da mãe, presa em 2011. 

Foi tudo muito rápido e os fatos passaram por Adriana sem que ela nem tivesse muito tempo para refletir. Viviane, mãe biológica de cinco filhos: Diego (15 anos), Eduardo (13), Talita (9), Leonardo (7) e Thainara (2), e vizinha de Adriana, envolveu-se com um presidiário durante alguns meses. Fora apresentada ao homem por intermédio de uma colega. Para agradá-lo, tentou levar drogas para ele, tentando escondê-las nas vestes em uma visita, e acabou flagrada pelas autoridades. Não deu tempo nem de se despedir dos filhos, que só ficaram sabendo da noticia pela própria Adriana. "Eu recebi uma ligação, e fiquei chocada. Logo fui avisar o Diego, que é o mais velho entre os cinco filhos dela", contou. A prisão ocorreu em um sábado, e por duas noites os cinco dormiram sem ninguém para acompanhá-los. 

"Apesar de gostar de todos eles e termos uma convivência no dia a dia, eu não queria me envolver, no começo", relata Adriana. Mas partia-lhe o coração vê-los "jogados", sem nenhum cuidado. Mãe de um rapaz de 18 anos, Maurício, sentiu que os instintos maternos lhe apertavam a consciência. Enquanto pintava as massas de biscuit que produz para vender, em frente à sua casa, ela observou Diego e Eduardo sem rumo, andando pelo morro, e logo fez uma oferta: "por que vocês não vêm tomar café comigo?". Sem pestanejar, os meninos logo foram. 

Preocupada em deixá-los sozinhos, Adriana ligou para seu marido Eliel, que trabalha como mecânico, e estava na oficina no momento. "Não posso permitir que eles fiquem lá, Eliel. Vou trazê-los pra casa", afirmou ao cônjuge, que logo concordou, sem apresentar barreiras. O Conselho Tutelar alertou Adriana que só poderia cuidar deles se fosse em sua própria casa. "Fiquei um pouco assustada no começo, mas costumo dizer que me sinto privilegiada por poder ajudá-los", afirmou a mulher. 

Um oficial da justiça visitou o casal, e disse que em breve viria buscar as crianças, para que o juiz decidisse para onde elas iriam. Eduardo não conseguia parar de chorar com a notícia. Já Diego cogitava fugir, mas sabia que não daria certo. Adriana desesperou-se: "o morro sem essas crianças vai ser um deserto pra mim. Eles não podem ir, vão acabar separando os irmãos". A decisão do juiz amenizou o quadro: baseou-se no vínculo que a família já havia criado com os cinco irmãos: Adriana obteve a guarda provisória das crianças, e alguns meses depois, veio a definitiva. 

De tão extasiado, o casal quase não se preocupava com a complexidade de sustentar a nova família, que agora era composta por oito pessoas. Buscaram se virar como podiam. Nas primeiras semanas, o irmão de Adriana, Reinaldo, emprestou dois colchões que possuía. Não era suficiente para abrigar todos, mas não se importaram: dormiam todos na cozinha. Dois irmãos chegavam a dividir um colchão de solteiro.
O filho de Adriana, Maurício, apoiou a família em tudo, desde o início, até mesmo com as cestas básicas que recebia em seu serviço. "E quando me perguntam quem são esses moleques, eu digo com orgulho: são meus irmãos". Maurício e os irmãos sempre foram muito apegados, mesmo antes de morarem juntos. As duas famílias, como um todo, se viam com frequência, e como eles não tinham um pai, costumavam trazer presentes para Eliel no dia dos pais. Mal sabiam que viveriam juntos, em tão pouco tempo. 

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Adriana se sustenta produzindo e vendendo miniaturas em biscuit (Foto: Aldo V. Silva)


"Vamos levar todo mundo pra comer na festa junina?" 
Adriana conta que a vida dos cinco irmãos melhorou significativamente, em alguns pontos. Mesmo vivendo às custas de doações, ajuda do Bolsa Família, cesta básica do filho de Adriana e de conhecidos, a rotina dos irmãos parece ter mudado bastante em relação a que tinham. Ela admite que o amor de mãe possa fazer muita falta aos meninos, mas percebe, pelo que eles mesmos costumam dizer, que tudo melhorou, num sentido geral. 

Certa vez, Diego comentou: "Dri, agora que a gente é rico, poderemos levar todo mundo pra comer na festa junina", referindo-se à festa sediada pela pastoral do bairro. Foi a frase mais repercutida entre eles durante semanas, em tom de piada. A ironia nunca fez um sentido tão agradável quanto na frase do jovem. Para Diego, antes seria impossível a façanha de comer qualquer coisa na festa junina. Ele ia com os irmãos apenas para ficar observando os outros comerem, e sonhar com o dia em que teria essa oportunidade. 


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(foto: Aldo V. Silva)


"Eu só quero ajudar. Mas sei que o amor de mãe prevalecerá no final. E se eles quiserem voltar, eu não direi que não"Não bastassem os cinco filhos que acolheu, Adriana ainda fez questão de trazer os três cães que Viviane tomava conta. "Estrelinha", o xodó das duas famílias, era sempre mencionada nas cartas que a mãe das crianças enviava da prisão: "Vocês estão cuidando bem da minha estrelinha?", indagava. O único contato dela com os filhos acontece por meio de textos, já que o contato pessoal é improvável: está em uma cadeia localizada a mais de 140 quilômetros de distância. Com a distância, a identidade familiar com a mãe se enfraqueceu. Sentiriam falta da mãe? Os meninos preferiram não comentar muito a respeito, mas seus olhares e expressões entregavam um sentimento latente, que se desfez em uma ligeira frase de Diego: "acho que sim, mas depois do que ela nos fez, é difícil dizer".

Mas seriam capazes de perdoá-la? Antes mesmo que pudessem se manifestar, o marido de Adriana comentou: "É claro que sim. A mãe dessas crianças também é um ser humano, e pode errar como qualquer um." E a esposa reforçou: "eu só quero ajudar. Mas sei que o amor de mãe prevalecerá no final. E se eles quiserem voltar, eu não direi que não", comentou baixando a voz. O consentimento dos irmãos às afirmações de Adriana e Eliel ocorreu pelo olhar e um breve aceno com a cabeça, mas não puderam verbalizá-lo pela emoção que o assunto parecia lhes causar.

De uma forma ou de outra, a segunda mãe dos irmãos não esconde o medo de perdê-los. "Quando vejo estas crianças quietas, no quartinho, comendo pipoca e assistindo televisão todas juntas, eu simplesmente começo a chorar. Eu tive que fazer o que fiz. Jamais aceitaria vê-las separadas. Somos muito apegados agora", contou. O desfecho dessa história não seria assim tão simples. A pequena Thainara, que completará três anos em junho, interrompeu a conversa com a reportagem insistindo com Adriana: "mãe, quero tetê", apontando para a mamadeira. Nem Dri, nem Adriana. Mãe.



Uma oportunidade para recomeçar

Viviane e seus filhos já foram notícia nas páginas do Cruzeiro do Sul. Em 13 de junho de 2009, a repórter Maíra Fernandes denunciava a dura realidade vivenciada por eles, quando num frio de 10 graus, conforme dizia o texto, as crianças sequer podiam ir até a escola. O filho Leonardo, à época com apenas quatro anos, abria a matéria com um pedido: queria ganhar tijolos para tapar todas as frestas nas paredes de sua casa, responsáveis pela entrada de ar frio. Não havia roupa suficiente para agasalhá-los, nem ao menos um tênis para calçar os pés gelados de Leonardo. Um berço branco aguardava a chegada de um novo membro da família: Thainara. Pelo resto do ambiente, vasilhas espalhadas buscavam minimizar o efeito das chuvas, que também pelas frestas, faziam estrago na moradia da família.

Com a mobilização de vizinhos, de professores da Escola Estadual "Izabel Rodrigues Galvão", onde os meninos estudavam e também por meio da repercussão que a matéria jornalística trouxe, Viviane recebeu roupas, brinquedos, e os reparos necessários para a casa. Temporariamente os problemas estavam sanados. Só o tempo foi revelar que eles voltariam : três anos depois, Adriana e seu irmão contam que a mãe das crianças não soube administrar as doações que recebeu. "Ela dava roupa pra todo mundo, vendia, não sabia o que fazer com o que ganhou. Alguns meses depois, já estavam todos passando frio e fome outra vez", lamentou.

"Entendo que de toda essa história, fico feliz que todos eles crescerão e serão boa gente. Estão todos encaminhados", pontua Adriana. "Mais do que isso, quando a mãe deles sair da cadeia, eles é que vão ensiná-la como viver melhor, e como fazer as coisas direito", admite com orgulho. Para o marido, Eliel, eles têm tudo que precisam para trilhar um caminho do bem: "estão estudando, tiram ótimas notas e são caseiros, não gostam de arruaça", conclui.

"O segredo é sempre estar ao lado delas"

Para esta família, a boa educação não vem do luxo ou da riqueza, mas da própria relação entre os membros: "Acho que o segredo para educar bem estas crianças é que eu estou sempre do lado deles. Não adianta ficar gritando e sendo mandona. Se eles aprontam hoje, eu corro atrás. Sujou o tênis, eu vou lá e lavo. Deixou bagunça? Eu arrumo. Um dia eles tomam juízo e fazem isso por eles mesmos, mas agora eu tenho que dar o bom o exemplo", argumenta Adriana. Ela conta que, apenas em um sábado, chegou a passar seis horas seguidas lavando roupas dos oito membros da casa. Mas com tanto empenho, o respeito é mútuo: ao saírem de casa, ou simplesmente em um gesto esporádico, cada um de seus filhos lhe dá um beijo na bochecha e agradece pela oportunidade que ela proporcionou. A mãe, não de sangue, mas de coração, fechou: "Disseram que foi loucura o que eu fiz, e até hoje alguns reafirmam, Mas loucura mesmo seria ter abandonado essas crianças quando ela mais precisavam de mim". 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Sob goles e tragadas, permita-me a tristeza

Uma outra visão sobre o álcool, a descrimininalização das drogas e o vício em geral



Ah, não! Será este mais um texto com dezenas de argumentos díspares que separam os intelectualóides "pró-maconha" dos conservadores anti-legalização? Espero que não. Após acompanhar tantos textos, conferências, entrevistas, passeatas e, principalmente, a opinião popular no assunto, temo que dissertar sobre a descriminalização das drogas ou qualquer outro tema neste caminho possa cair, eventualmente, em uma mesmice pegajosa. Antes de tudo, gostaria de ressaltar que não pretendo dar suporte à nenhuma das premissas antes colocadas à tona pelos discursos já antigos, formados por um pequeno grupo de pessoas e reproduzidos à exaustão por seus pupilos nas redes sociais.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Matéria: O Solfejo coletivo da percussão


O solfejo coletivo da percussão

Sorocabanos integram grupo de percussão Tchá-Degga-Da, que inova em método de ensino coletivo

Luiz Fernando Toledo
 luiz.toledo@jcruzeiro.com.br


Não foi por acaso que o grupo de percussão Tchá-Degga-Da caiu nas graças da grande mídia nos últimos anos. Semifinalistas do programa "Qual é o seu talento", do SBT, aplaudidos em pé por toda a plateia do Domingão do Faustão no quadro "Se vira nos 30" e entrevistados no programa "Manhã Maior" da Rede TV, o grupo alcançou rapidamente o status de grande banda. Não só banda, como uma espécie de escola online de musicalização, que atingiu jovens dos quatro cantos do País. Com 11 componentes sorocabanos - três veteranos e oito que se uniram à equipe em 2011, tiveram destaque no jornal Cruzeiro do Sul na última semana ("Jovens sorocabanos estão na Seleção Brasileira de Percussão", 3 de fevereiro). O criador do grupo, o americano John Grant e sua esposa, Taciane, conversaram com a reportagem e contaram sobre o projeto inovador cujo nome remete a um rudimento (elemento básico) da percussão - Tchá-Degga-Da, uma espécie de onomatopeia, que na linguagem dos músicos, é chamada de "flam drag". 

"De onde vocês são?" é o questionamento que qualquer um tomaria como ponto de partida. A resposta não viria assim tão fácil: o divertido sotaque americano de John, mesclado à sonora fala carioca de sua esposa, já entregava a origem diversificada do grupo. "Somos de todo o Brasil", afirmou Taciane. Diferente do que foi repetido exaustivamente no Domingão do Faustão, Tchá-Degga-Da não pertence a Sorocaba. Trata-se de um projeto, criado pelo americano em 2005, que integra jovens de diversas regiões do País. A rotina dos músicos parece complexa: de tempos em tempos, John avisa em seu site oficial (http://drumline.com.br) que haverá um acampamento em uma determinada data e local. Os percussionistas, que partem do Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, São Paulo e outros estados, se viram como podem para chegar ao encontro, onde passam dias ensaiando. Nessas reuniões, John e outros músicos dão aulas de percussão aos alunos mais novos e divulgam o trabalho na região em que ocorre o evento, para que outros também se interessem. Após essas convenções musicais, eles gravam tutoriais e criam vídeos no Youtube, divulgando o trabalho através das redes sociais e do site oficial, para que outros aprendam. John explica que os tutoriais são produzidos pelos próprios alunos, com um método de caráter social. "Se um cara que veio dos EUA chegar gravando vídeos mostrando sua técnica, ninguém vai se interessar. Agora, se eu mostrar um aluno que realmente aprendeu, o espectador vai pensar: "se ele consegue, eu também consigo", relata. 

Nos encontros seguintes, internautas que conheceram o grupo através dos vídeos acabam participando também. "Muitos acham que nós somos uma empresa grande, que tem escolas em outras cidades ou professores que recebem salário para ensinar. Não é nada disso, nosso projeto é totalmente independente e não possui renda própria", comenta John. Na realidade, o grupo se registrou como Organização Não-Governamental (Ong) há um ano. A impressão de grande se intensificou pela visibilidade nacional que atingiram após as apresentações na TV. Um dos objetivos do Tchá-Degga-Da é treinar uma seleção brasileira de percussão para competir em um tradicional evento nos Estados Unidos, que ocorre em abril - o Campeonato Mundial de Percussão Rudimentar (WGI). 

Para participar do grupo, basta querer. Taciane explica que não é preciso ter nenhuma noção musical. "Tivemos alunos que entraram sem conhecer nada de música, mas se interessaram tanto que hoje se profissionalizaram e estão no mercado de trabalho", comenta, satisfeita. 
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Em Sorocaba

A relação do Tchá-Degga-Da com os sorocabanos se intensificou em outubro do ano passado, quando John foi chamado para treinar os percussionistas da Banda Marcial de Sorocaba (Bamaso). Muito antes disso, em 2006, três jovens da cidade já participavam dos acampamentos musicais e se apresentavam com o grupo: os veteranos Lucas dos Santos Bidoia, de 15 anos, Caio César Ayres de Moura, 17 anos e Renan Silva Proença, de 21 anos. Lucas, o prodígio da equipe, começou aos 9 anos e seu currículo já surpreende: aos 13 fez inscrição para o curso de percussão no Conservatório Musical de Tatuí e passou em primeiro lugar, à frente de mais de 100 concorrentes. Infelizmente, devido à sua idade, acabou não podendo assistir às aulas conquistadas. Agora ele estuda para fazer intercâmbio nos Estados Unidos e cursar a faculdade de música por lá.

Caio aprendeu a ler partituras com o Tchá-Degga-Da e sua opinião sobre a iniciativa é decisiva. "É um projeto que abre oportunidades para muitas pessoas", diz o aluno, que assim como Lucas, grava tutoriais para ajudar os mais novos.

Acampamentos 


O mosaico cultural do Tchá-Degga-Da é evidente nos acampamentos organizados por John Grant. Sem lugar espefício, os músicos precisam se virar - e muito - para chegar ao local combinado, normalmente na região sudeste, devido ao grande número de alunos. Já estiveram no Rio de Janeiro, em Limeira , Presidente Prudente, Lorena, Bauru, Santa Fé e outras cidades, totalizando mais de 40 encontros nos seis anos de existência do grupo. A duração dos encontros também varia, podendo ser um final de semana, ou um feriado prolongado de cinco ou seis dias. "Depende da disponibilidade dos participantes", explica Taciane.

Cada um contribui da forma que pode. "Alguns trazem comida, outros cozinham. Normalmente essa parte é minha, é a dificuldade de ser uma das poucas mulheres do grupo", ironiza Taciane, em tom de brincadeira. Os ensaios são intensos, e podem chegar a 14 horas diárias. "Nos vemos poucas vezes pessoalmente, temos que aproveitar todo o tempo disponível", justifica o sorocabano Caio. "Eu e o Lucas já chegamos a ficar 48 horas sem dormir, entre tocar e comer", comenta aos risos. Através de uma "tábua de estudo", uma espécie de tambor de borracha, que ameniza a altura do som, os alunos podem treinar os "rudimentos" ensinados nas aulas que ocorrem durante os encontros. Mesmo com a medida preventiva, o grupo recebe frequentemente reclamações dos vizinhos, por causa do barulho. "Quando nos encontramos, os ensaios ocorrem de manhã, à tarde, à noite e de madrugada, é difícil que eles (os vizinhos) entendam isso", diz a percussionista.

Projeção nacional 


"Um tal de SBT ligou dizendo que nós fomos chamados para uma audição", disse um receoso John, à sua esposa, em tom obviamente de dúvida, em meados de 2010. Ele não conhecia o canal. Na verdade, ainda não sabia do que se tratava, pois nunca foi de assistir televisão, nem quando morava nos EUA. O espanto foi tanto, que Taciane gritou em comemoração: "SBT? É televisão, John!". O integrante do grupo Zé Ricardo inscreveu o Tchá-Degga-Da no programa "Qual é o seu talento?", pelo site do SBT algumas semanas antes, e o resultado chegou. A maior dificuldade foi reunir o grupo rapidamente. Foram todos à casa de Lucas, em Sorocaba, que era o local mais próximo de São Paulo que conseguiriam se reunir. O lar do estudante se tornou um verdadeiro hotel, com colchões espalhados pela cozinha, sala, quartos, quinta, enfim, em todos os cantos. Após obter apoio da secretaria de educação de Sorocaba, conseguiram um ônibus que os levou até São Paulo.

"O Thomas (Roth, apresentador do programa) nos disse que foram selecionados 20 grupos, entre todo o material recebido pelo SBT. Desses 20, sete entrariam ao ar, provavelmente", conta John. O pessimismo se intensificou no pensamento do grupo: "Com certeza ficaremos entre os 13 que nem na TV aparecerão", lembra Taciane. Ao receber a classificação e chegarem até a semifinal do programa, todos se surpreenderam. "O Tcha-Degga-Dá não venceu, mas recebemos muitos elogios dos críticos do programa. Até o Arnaldo (Saccomani, apresentador) nos elogiou", brinca a percussionista.

No Domingão do Faustão, o momento foi breve, mas garantiu a ascensão artística do grupo. O percussionista da banda do programa, Marcus Cesar Modesto, rasgou elogios à apresentação, enaltecendo a qualidade particular dos músicos. Respondendo a uma indagação do Faustão, Modesto afirmou: "Aí não cabe músico mediano. Ou todos são bons, ou não rola. Eles têm que funcionar como um time". Um erro no cadastro dos participantes fez com que o apresentador exibisse o Tcha-Degga-Dá como um grupo de Sorocaba. A repercussão do "equívoco" em todo o país foi positiva para a cidade, e pertinente, agora que John realmente mora na cidade, e realiza o trabalho com a Bamaso. 

Dificuldades 


O projeto promissor de John Grant, apesar de já garantir qualidade técnica de seus músicos, ainda encontra resistência de patrocinadores. O músico lamenta alguns episódios sofridos pelo grupo, como quando foram prestigiados por uma famosa empresa de instrumentos musicais dos EUA, que prometeu fornecer equipamentos aos alunos, mas quando tentou contato com a filial brasileira, a proposta foi recusada. John também se preocupa com o preço e a qualidade dos instrumentos, que não se compara ao que é oferecido nos EUA. "O preço é absurdo. A baqueta que utilizamos, custa em média seis dólares em qualquer cidade americana. Por aqui, encontramos por, no mínimo, R$ 50", lamenta o percussionista. "O problema é ainda maior, se levar em consideração que nossos alunos são jovens, que ainda fazem ensino médio ou estão querendo fazer uma faculdade, e não trabalham para arcar com as despesas.", explica. John também chama a atenção para a forma como muitos percebem a música no Brasil: "Quando o filho tem 12 anos, os pais acham lindo que ele estude música. Mas aí chega a época do vestibular, e mesmo aquele aluno que deseja seguir carreira como músico, acaba tendo que partir para um curso mais tradicional, a pedido da família. Perdemos muitos músicos talentosos por essa questão cultural", desaponta-se.

Para organizar os acampamentos, cada um se vira como pode. Alguns vão ao encontro apenas com o dinheiro da ida, arriscando não ter como voltar depois. "Nós tentamos buscar patrocínio com empresas aéreas mas não obtivemos êxito. A dificuldade não é apenas financeira, mas de pessoas, em alguns casos. Não sabemos como redigir um projeto formal para apresentar às empresas, por exemplo", explica Taciane. Nos primeiros encontros, o próprio John montou alguns instrumentos, com ajuda do músico Zé Ricardo - um dos mais antigos no grupo. "Meu sonho é mostrar o talento dos músicos brasileiros para o mundo. Já estive com grandes grupos de percussionistas dos EUA, como o Blue Devils e o Riverside College Community (RCC), e posso garantir que nossos artistas são tão bons quanto eles. Só nos falta o incentivo", afirma John. Se  depender de seu esforço como diretor, a ascensão é garantida: "Quero dar aos meus alunos a estrutura necessária para se tornarem grandes músicos com reconhecimento internacional. Até o momento, o que eu tenho para oferecer é o conhecimento", filosofa. O passo primordial já está dado.