sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Vivendo ao lado

A dor é relativa.


- Mãe, estou triste. Acabei de terminar com a Michele. Acho que não irei à escola amanhã.

- E eu com isso? - respondeu uma mãe zangada. - Mas é claro que você vai. Fica aí reclamando da vida por qualquer coisa. Enquanto você chora por um namorico de alguns meses, por que não vê que outras pessoas têm problemas muito maiores que os seus? Veja a Carmen. Perdeu o marido no acidente de carro, depois de 25 anos de casamento. ISSO É SOFRIMENTO! Vê se para de graça e vá dormir que amanhã, você irá pra escola SIM.

Diante de tal argumento, o filho se cala, e acaba se convencendo de que não tem motivo algum pra ficar triste.


[...]


- Poxa, hoje é natal e eu só ganhei uma camiseta, como sempre. Que porcaria! - dizia o menino. - Preferia não ganhar nada? Ou pior, não ter nem como se alimentar? Agradeça por ter uma casa para ficar nesse natal, por ter uma família, ter comida. Mal agradecido, olha que deus te tira isso tudo, hein? - retrucou o avô.

E mais uma vez a tristeza de um indivíduo desaparece em meio à reflexão dessa tal de "sentimento relativo".

Estes dois exemplos são clássicos da vida de cada um, e com certeza, sob tantas outras formas, já devem ter aparecido em nossos cotidianos. A velha mania de comparar refrigerante com vinho.

Nossos dias são cobertos de uma porção de sensações, que brincam conosco constantemente. Acordamos de mal humor, somos recebidos por um belo café da manhã e um sorriso de nossos pais, chegamos à escola e recebemos uma deprimente nota vermelha numa prova, recebemos uma promoção no trabalho, vemos tragédias na televisão que acontecem em todo o mundo, e até mesmo choramos com o filme ou a novela. O "vai-vem" é o que compõe quem somos. Alguns com mais problemas, outros com menos, e cada um lidando de uma forma com a sua situação.






Ninguém vive em estado absoluto de felicidade, bem como não há como viver em eterna depressão. Mas se o "bom" é tão agradavelmente recebido pelas pessoas, por que é que o "ruim" não é? Se ambos fazem parte do que somos, por que banalizar a tristeza? Não estou dizendo para vivermos infelizes, muito menos para procurar motivos pra sofrer. Mas impor um respeito ao que nos limita como ser humano. Entender o porquê da tristeza também é importante. Refletir sobre a própria existência, estabelecer autocrítica, mudar algo.

Não é porque "existem problemas piores", que o seu problema não é importante, que sua tristeza não deve ser levada em consideração. Se fôssemos pensar nessa lógica, ser feliz também não é possível, pois com certeza existem pessoas muito mais felizes o tempo todo, com vidas bem melhores do que a nossa. E não há psicólogo, ou seja lá quem for, que nos diga o que é forte o suficiente pra derrubar nosso ânimo, ou elevar o entusiasmo. É algo particular, individual. Um exercício de você, para você mesmo.

Coisas ruins acontecem, e sim, elas são importantes. Não existe nenhuma "relatividade de dor", nem nenhum parâmetro para isso. Devemos estar preparados pra tudo, e acima disso, preparados pra superar tudo. SUPERAR, e não negar a nossa realidade diante de outras ditas "piores".

Ser humano é sentir, existir, respirar, e viver o mundo que nos cerca.


A dor não é relativa.