sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

No processo

Estamos encurralados. Passam-se os anos, e é a essa conclusão que todos chegamos. Cercados por todos os lados, sob regras universais, leis da física,leis da justiça, leis sociais. Nascemos com um número de identificação, uma certidão, uma identidade perante os outros homens.

Começamos a estudar, fazemos uma matrícula, participamos de um processo educacional complexo do qual nem sempre sabemos o porquê das coisas. E com o tempo, as divisões aumentam. Entramos para a faculdade e elaboramos monografias, TCCs e lemos teorias do século XIX.

Precisamos de um emprego. Entramos para uma empresa e repetimos o mesmo esforço repetidas vezes, desconhecendo as finalidades, em sua maior parte. Entregamos documentos em fóruns, colecionamos faturas e certidões. Alguém fere a nossa moral, entramos com uma ação judicial. Vamos a tribunais com leis das quais ninguém sabe muito bem como funcionam. Pagamos taxas, tarifas, tributos, enfim.

Fazemos o que foi ensinado por nossos pais, e o que é dito necessário, se torna necessário. Acumulamos títulos que carregam importância e pretígio à nossa família. Mestres, doutores e pós-doutores, passamos a escrever para que outras pessoas compartilhem da burocracia que é viver. Assistimos a palestras e congressos, vemos presidentes em ascensão, vemos sua decadência.

Ligamos a TV, e a sociedade do espetáculo de Debord se põe à prova. Acompanhamos conflitos do outro lado do mundo, que não entendemos muito bem. A agenda midiática se atualiza, e nos vemos na próxima notícia. Visitamos cemitérios com flores, buscando encontrar entes do passado. Criamos filhos, acreditando manter um laço com o mundo após partirmos.

Da utilidade e do inconveniente da história, somamos fragmentos de nossas vidas, tentando encontrar o sentido das coisas. Estudamos essa tal de história, e encontramos o espírito do tempo dos homens. Matamos por razões diversas, pensamos e amamos. Procuramos essências. Valorizamos a felicidade, o hedonismo, a beleza, o conhecimento. Outrora, nos questionamos se essas são as razões do ser. Somos conduzidos, no momento em que tentamos conduzir. Mas no fim de tudo, não há nada. Estaremos todos no Processo do universo de Kafka?

Nós somos e não somos. Estamos e não estamos. E nesse devir reside a memória.
Memória tão curta, que se assim não fosse, ficaríamos todos loucos.




(Imagem: The Inquisition Tribunal, por Francisco Goya, 1812-1819; homens, em dado momento histórico, acreditam conduzir o mundo como deve ser, levados pelo processo)