sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O jogo social

Ao conversar com outras pessoas, conhecer novos ambientes e observar diálogos alheios, tenho parado para refletir. Entramos em cada situação engraçada, que nos impõe uma conduta falsa e um resultado mais falso ainda. O que seria do mundo social se as "mentirinhas" não existissem?



Para não confundir, vou exemplificar. Decidi, depois de alguns anos, voltar a festejar meu aniversário em casa, convidando amigos e fazendo um churrasco. afinal, era especial: 18 aninhos. Convidei até quem não quis, evitando problemas com "conhecidos". O curioso é que mesmo sendo abrangente nesses convites, se eu convidasse certos "conhecidos menos conhecidos"(passarei a chamá-los de CMC no texto), seria até estranho da minha parte, já que nossos relacionamentos resumem-se em "oi, tchau, boa noite".



No transporte escolar, tenho dois amigos, e o restante, CMC. Por que cmc? Por educação, o correto é comprimentá-los, desejar boa noite e outras coisas. A maldita socialização falsa que eu tanto desprezo. Acharia muito mais prazeroso entrar sem falar nada, e sair igualmente. Mas vêm nossos amigos da educação e criam termos pejorativos como "metido, arrogante", rotulantes dos que pensam como eu. Para evitar, faz-se o joguinho social. Quem é que quer ser tachado de coisas ruins pelos outros?

Fiz de tudo para convidar os dois amigos sem citar as palavras "festa" e "aniversário", para não constranger os não convidados. Mas não deu para evitar, em um momento ou outro acabei falando sem querer. E com os comentários e mais comentários, em algum momento eles captaram o meu desprezo. Uma sensação engraçada passava pela minha cabeça a todo momento que os via. Parecia que a cada vez que os olhava nos olhos, eu dizia "eu sei que você sabe da minha festa, e você não está convidado". Mas como eu disse, seria mais estranho se eu convidasse os cmc.

E o pior é que de vez em nunca, trocava algumas palavras com um ou outro dali. É o que costumo chamar de intimidade relâmpago. Você sabe da existência de alguém, mas nunca conversa. Por um acaso, passam alguns momentos dialogando, falam de tudo, mas no dia seguinte já se tratam na base do "oi-tchau" novamente. Acabava me dividindo...Quem é o "eu" que convida essa pessoa: o de todos os dias, ou aquele que já teve a intimidade relâmpago? E a sensação engraçada persistia. E foi um tormento. A cada vez que alguém me tratava bem ali dentro do transporte, eu me chateava. São conversas que ocorrem pelos olhos e não pela fala em si. Ambos sabem da situação, mas evitam comentar para não constranger.


Em outra situação...Pensemos em um casal. Ele a ama, e é recíproco. Noite de cinema, shopping e muitas mulheres bonitas passando. Ele passa pelos amigos solteiros e, apesar de não ter seu amor diminuído pela namorada, pensa: eu poderia estar com eles. Ele não olha para nenhuma, com medo da repressão dela. Mas ele quer. E o mesmo com ela. Ambos guardam tais desejos no mais profundo e inacessível canto da cabeça, e tentam não tirar mais de lá. Por quê? Não é mais fácil assumir que os dois são seres humanos e sentem atração pelo sexo oposto, independente de se amarem? Uma coisa é respeitar o namoro, outra é respeitar a si mesmo, e a seus "instintos".


Voltando a falar de amigos. Pegando carona em meu texto "O tempo destrói, o tempo transforma", imaginem agora um amigo que o tempo já apagou. Alguém, que apesar de ter tido um grande histórico de passeios, piadas internas e assuntos, hoje não passa de mais um que exibe uma foto em sua página de conhecidos no orkut(se é que ele está lá). Um dia vocês se encontram, e o constrangimento interno é inevitável. Ele está namorando, a irmã dele viajou pra Itália, ele arranjou um emprego na empresa que você sempre quis. Talvez vocês nem se lembrem direito do nome do outro. Mas o diálogo com certeza envolverá frases do tipo "que saudades, cara! por que não me contou todas essas novidades?" Á resposta é óbvia, mas não é ela que vem à tona: NÃO CONTEI PORQUE NÃO SOMOS MAIS AMIGOS, NOS AFASTAMOS E EU MAL LEMBRO DO SEU NOME. No lugar disso, temos: "pois é, cara...ando sem tempo, estou trabalhando muito, mas vamos marcar algo aí...manda um scrap lá no orkut...blablabla, abraço". O famoso "vamos marcar algo aí" já é marca registrada dos ex-amigos. E ambos a engolem como se fosse normal, mesmo que por dentro saibam que não vão marcar nada, em momento algum. Tudo em nome da educação e dos bons modos. Mas é assim mesmo, uma mentirinha aqui, outra mentirinha ali, e assim convivemos em grupo.


Às vezes me sinto mal por pensar assim, e garanto que muitos discordarão. Mas me resta perguntar: viver entre pessoas é viver mentindo? Quantas vezes por dia somos obrigados a inventar, aumentar, diminuir, esticar, puxar e inverter fatos, e até a nós mesmos para que não criemos problemas?







P.S: Agora sou colunista do site de Itu(www.itu.com.br), visitem minha página!