segunda-feira, 4 de junho de 2012

Matéria: O Solfejo coletivo da percussão


O solfejo coletivo da percussão

Sorocabanos integram grupo de percussão Tchá-Degga-Da, que inova em método de ensino coletivo

Luiz Fernando Toledo
 luiz.toledo@jcruzeiro.com.br


Não foi por acaso que o grupo de percussão Tchá-Degga-Da caiu nas graças da grande mídia nos últimos anos. Semifinalistas do programa "Qual é o seu talento", do SBT, aplaudidos em pé por toda a plateia do Domingão do Faustão no quadro "Se vira nos 30" e entrevistados no programa "Manhã Maior" da Rede TV, o grupo alcançou rapidamente o status de grande banda. Não só banda, como uma espécie de escola online de musicalização, que atingiu jovens dos quatro cantos do País. Com 11 componentes sorocabanos - três veteranos e oito que se uniram à equipe em 2011, tiveram destaque no jornal Cruzeiro do Sul na última semana ("Jovens sorocabanos estão na Seleção Brasileira de Percussão", 3 de fevereiro). O criador do grupo, o americano John Grant e sua esposa, Taciane, conversaram com a reportagem e contaram sobre o projeto inovador cujo nome remete a um rudimento (elemento básico) da percussão - Tchá-Degga-Da, uma espécie de onomatopeia, que na linguagem dos músicos, é chamada de "flam drag". 

"De onde vocês são?" é o questionamento que qualquer um tomaria como ponto de partida. A resposta não viria assim tão fácil: o divertido sotaque americano de John, mesclado à sonora fala carioca de sua esposa, já entregava a origem diversificada do grupo. "Somos de todo o Brasil", afirmou Taciane. Diferente do que foi repetido exaustivamente no Domingão do Faustão, Tchá-Degga-Da não pertence a Sorocaba. Trata-se de um projeto, criado pelo americano em 2005, que integra jovens de diversas regiões do País. A rotina dos músicos parece complexa: de tempos em tempos, John avisa em seu site oficial (http://drumline.com.br) que haverá um acampamento em uma determinada data e local. Os percussionistas, que partem do Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, São Paulo e outros estados, se viram como podem para chegar ao encontro, onde passam dias ensaiando. Nessas reuniões, John e outros músicos dão aulas de percussão aos alunos mais novos e divulgam o trabalho na região em que ocorre o evento, para que outros também se interessem. Após essas convenções musicais, eles gravam tutoriais e criam vídeos no Youtube, divulgando o trabalho através das redes sociais e do site oficial, para que outros aprendam. John explica que os tutoriais são produzidos pelos próprios alunos, com um método de caráter social. "Se um cara que veio dos EUA chegar gravando vídeos mostrando sua técnica, ninguém vai se interessar. Agora, se eu mostrar um aluno que realmente aprendeu, o espectador vai pensar: "se ele consegue, eu também consigo", relata. 

Nos encontros seguintes, internautas que conheceram o grupo através dos vídeos acabam participando também. "Muitos acham que nós somos uma empresa grande, que tem escolas em outras cidades ou professores que recebem salário para ensinar. Não é nada disso, nosso projeto é totalmente independente e não possui renda própria", comenta John. Na realidade, o grupo se registrou como Organização Não-Governamental (Ong) há um ano. A impressão de grande se intensificou pela visibilidade nacional que atingiram após as apresentações na TV. Um dos objetivos do Tchá-Degga-Da é treinar uma seleção brasileira de percussão para competir em um tradicional evento nos Estados Unidos, que ocorre em abril - o Campeonato Mundial de Percussão Rudimentar (WGI). 

Para participar do grupo, basta querer. Taciane explica que não é preciso ter nenhuma noção musical. "Tivemos alunos que entraram sem conhecer nada de música, mas se interessaram tanto que hoje se profissionalizaram e estão no mercado de trabalho", comenta, satisfeita. 
foto par cruzeiro 2


Em Sorocaba

A relação do Tchá-Degga-Da com os sorocabanos se intensificou em outubro do ano passado, quando John foi chamado para treinar os percussionistas da Banda Marcial de Sorocaba (Bamaso). Muito antes disso, em 2006, três jovens da cidade já participavam dos acampamentos musicais e se apresentavam com o grupo: os veteranos Lucas dos Santos Bidoia, de 15 anos, Caio César Ayres de Moura, 17 anos e Renan Silva Proença, de 21 anos. Lucas, o prodígio da equipe, começou aos 9 anos e seu currículo já surpreende: aos 13 fez inscrição para o curso de percussão no Conservatório Musical de Tatuí e passou em primeiro lugar, à frente de mais de 100 concorrentes. Infelizmente, devido à sua idade, acabou não podendo assistir às aulas conquistadas. Agora ele estuda para fazer intercâmbio nos Estados Unidos e cursar a faculdade de música por lá.

Caio aprendeu a ler partituras com o Tchá-Degga-Da e sua opinião sobre a iniciativa é decisiva. "É um projeto que abre oportunidades para muitas pessoas", diz o aluno, que assim como Lucas, grava tutoriais para ajudar os mais novos.

Acampamentos 


O mosaico cultural do Tchá-Degga-Da é evidente nos acampamentos organizados por John Grant. Sem lugar espefício, os músicos precisam se virar - e muito - para chegar ao local combinado, normalmente na região sudeste, devido ao grande número de alunos. Já estiveram no Rio de Janeiro, em Limeira , Presidente Prudente, Lorena, Bauru, Santa Fé e outras cidades, totalizando mais de 40 encontros nos seis anos de existência do grupo. A duração dos encontros também varia, podendo ser um final de semana, ou um feriado prolongado de cinco ou seis dias. "Depende da disponibilidade dos participantes", explica Taciane.

Cada um contribui da forma que pode. "Alguns trazem comida, outros cozinham. Normalmente essa parte é minha, é a dificuldade de ser uma das poucas mulheres do grupo", ironiza Taciane, em tom de brincadeira. Os ensaios são intensos, e podem chegar a 14 horas diárias. "Nos vemos poucas vezes pessoalmente, temos que aproveitar todo o tempo disponível", justifica o sorocabano Caio. "Eu e o Lucas já chegamos a ficar 48 horas sem dormir, entre tocar e comer", comenta aos risos. Através de uma "tábua de estudo", uma espécie de tambor de borracha, que ameniza a altura do som, os alunos podem treinar os "rudimentos" ensinados nas aulas que ocorrem durante os encontros. Mesmo com a medida preventiva, o grupo recebe frequentemente reclamações dos vizinhos, por causa do barulho. "Quando nos encontramos, os ensaios ocorrem de manhã, à tarde, à noite e de madrugada, é difícil que eles (os vizinhos) entendam isso", diz a percussionista.

Projeção nacional 


"Um tal de SBT ligou dizendo que nós fomos chamados para uma audição", disse um receoso John, à sua esposa, em tom obviamente de dúvida, em meados de 2010. Ele não conhecia o canal. Na verdade, ainda não sabia do que se tratava, pois nunca foi de assistir televisão, nem quando morava nos EUA. O espanto foi tanto, que Taciane gritou em comemoração: "SBT? É televisão, John!". O integrante do grupo Zé Ricardo inscreveu o Tchá-Degga-Da no programa "Qual é o seu talento?", pelo site do SBT algumas semanas antes, e o resultado chegou. A maior dificuldade foi reunir o grupo rapidamente. Foram todos à casa de Lucas, em Sorocaba, que era o local mais próximo de São Paulo que conseguiriam se reunir. O lar do estudante se tornou um verdadeiro hotel, com colchões espalhados pela cozinha, sala, quartos, quinta, enfim, em todos os cantos. Após obter apoio da secretaria de educação de Sorocaba, conseguiram um ônibus que os levou até São Paulo.

"O Thomas (Roth, apresentador do programa) nos disse que foram selecionados 20 grupos, entre todo o material recebido pelo SBT. Desses 20, sete entrariam ao ar, provavelmente", conta John. O pessimismo se intensificou no pensamento do grupo: "Com certeza ficaremos entre os 13 que nem na TV aparecerão", lembra Taciane. Ao receber a classificação e chegarem até a semifinal do programa, todos se surpreenderam. "O Tcha-Degga-Dá não venceu, mas recebemos muitos elogios dos críticos do programa. Até o Arnaldo (Saccomani, apresentador) nos elogiou", brinca a percussionista.

No Domingão do Faustão, o momento foi breve, mas garantiu a ascensão artística do grupo. O percussionista da banda do programa, Marcus Cesar Modesto, rasgou elogios à apresentação, enaltecendo a qualidade particular dos músicos. Respondendo a uma indagação do Faustão, Modesto afirmou: "Aí não cabe músico mediano. Ou todos são bons, ou não rola. Eles têm que funcionar como um time". Um erro no cadastro dos participantes fez com que o apresentador exibisse o Tcha-Degga-Dá como um grupo de Sorocaba. A repercussão do "equívoco" em todo o país foi positiva para a cidade, e pertinente, agora que John realmente mora na cidade, e realiza o trabalho com a Bamaso. 

Dificuldades 


O projeto promissor de John Grant, apesar de já garantir qualidade técnica de seus músicos, ainda encontra resistência de patrocinadores. O músico lamenta alguns episódios sofridos pelo grupo, como quando foram prestigiados por uma famosa empresa de instrumentos musicais dos EUA, que prometeu fornecer equipamentos aos alunos, mas quando tentou contato com a filial brasileira, a proposta foi recusada. John também se preocupa com o preço e a qualidade dos instrumentos, que não se compara ao que é oferecido nos EUA. "O preço é absurdo. A baqueta que utilizamos, custa em média seis dólares em qualquer cidade americana. Por aqui, encontramos por, no mínimo, R$ 50", lamenta o percussionista. "O problema é ainda maior, se levar em consideração que nossos alunos são jovens, que ainda fazem ensino médio ou estão querendo fazer uma faculdade, e não trabalham para arcar com as despesas.", explica. John também chama a atenção para a forma como muitos percebem a música no Brasil: "Quando o filho tem 12 anos, os pais acham lindo que ele estude música. Mas aí chega a época do vestibular, e mesmo aquele aluno que deseja seguir carreira como músico, acaba tendo que partir para um curso mais tradicional, a pedido da família. Perdemos muitos músicos talentosos por essa questão cultural", desaponta-se.

Para organizar os acampamentos, cada um se vira como pode. Alguns vão ao encontro apenas com o dinheiro da ida, arriscando não ter como voltar depois. "Nós tentamos buscar patrocínio com empresas aéreas mas não obtivemos êxito. A dificuldade não é apenas financeira, mas de pessoas, em alguns casos. Não sabemos como redigir um projeto formal para apresentar às empresas, por exemplo", explica Taciane. Nos primeiros encontros, o próprio John montou alguns instrumentos, com ajuda do músico Zé Ricardo - um dos mais antigos no grupo. "Meu sonho é mostrar o talento dos músicos brasileiros para o mundo. Já estive com grandes grupos de percussionistas dos EUA, como o Blue Devils e o Riverside College Community (RCC), e posso garantir que nossos artistas são tão bons quanto eles. Só nos falta o incentivo", afirma John. Se  depender de seu esforço como diretor, a ascensão é garantida: "Quero dar aos meus alunos a estrutura necessária para se tornarem grandes músicos com reconhecimento internacional. Até o momento, o que eu tenho para oferecer é o conhecimento", filosofa. O passo primordial já está dado.

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