Fim de mais um ato
(reportagem dupla, confira também "A Arte de viver de Arte")
Fechamento da escola de teatro Etac levanta a discussão sobre a dificuldade de viver de arte na cidade; docência é alternativa financeira
Notícia publicada na edição de 25/02/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno C - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
Luiz Fernando Toledo
luiz.toledo@jcruzeiro.com.br
Salas vazias e um sentimento latente de esperança. Foi o que restou da Escola Técnica de Arte e Comunicação de Sorocaba (Etac) e para o diretor de teatro e ator Tom Barros, além dos mais de 700 alunos que por lá passaram nos seus cinco anos de funcionamento. Localizada em três diferentes endereços ao longo de sua existência, por questões administrativas, a Etac deixou sua marca na cidade, plantando sonhos e buscando, por meio do teatro, incentivar "novas visões de mundo" aos seus alunos, nas palavras de Tom Barros. Do início, em 2006, ao fechamento, em dezembro de 2011, o diretor diz que o saldo do trabalho foi expressivo: mais de 50 espetáculos inéditos apresentados em Sorocaba e região. No último semestre de atividade, dispersaram-se 8 professores e cerca de 100 alunos, que passaram a buscar um novo espaço dentro das artes cênicas. O episódio ocorrido com a escola suscita a discussão sobre como viver de teatro na cidade e a forma como a produção artística é encarada por aqui.
Leia também: A arte de viver de arte
Barros é sucinto e cauteloso ao falar dos motivos que determinaram o fechamento da escola. "Foram problemas financeiros consecutivos", relata. A primeira sede, situada na rua Padre Luiz, 665, enfrentou alguns problemas pela falta de estacionamento aos alunos, motivando a ida para uma casa na rua Ema Zacchi Police, 73, esta desapropriada para a construção de uma escola infantil. "O endividamento se acumulou de forma que a terceira sede, na rua Castanho Taques, 227, já não tivesse o fôlego das unidades anteriores", explica o diretor.
A maior preocupação de Barros, ao perceber que precisaria encerrar as aulas da Etac, era que as atividades do último semestre de 2011 não fossem prejudicadas, nem os espetáculos em andamento se desmantelassem pelo desânimo. "A opção foi manter segredo até o último momento. Depois de apresentadas as peças, eu revelei a todos. Simplesmente não abri matrícula no começo de 2012", explica.
O diretor tem pretensões de retomar o ensino de teatro no futuro, mas já adianta que somente se houver algum incentivo público. "Quero me distanciar do ensino privado, pois a dor de perder a Etac foi grande. Para mim, foi como a vitória do capitalismo sobre a arte", filosofa.
Opções de cursos
Apesar de não existirem dados oficiais, a Associação Teatral de Sorocaba (ATS) aponta aproximadamente 10 grupos de artes cênicas em atividade atualmente na cidade. Para o cálculo, foram levados em consideração a periodicidade dos espetáculos apresentados e a receptividade do público. Vale ressaltar que muitos desses grupos desenvolvem também oficinas abertas à população, possibilitando uma introdução ao teatro. As aulas também são uma forma de angariar recursos financeiros às companhias.
A Companhia Camarim, dirigida por Hamilton Sbrana, existe há 10 anos, e apresenta um repertório vasto. A Cantata de Natal na Estação foi uma das recentes realizações da trupe. Junto à Camarim, formou-se, no início do ano passado, a Casa do Ator, oficina para quem deseja aprender teatro, mesmo sem possuir nenhuma experiência, ou mesmo para perder a timidez. "A Casa do Ator ensina teatro, mas muitos nos procuram por outras razões. Alguns querem ter mais disciplina para passar em um vestibular, ou mesmo para conseguir falar em uma entrevista de emprego", explica Sbrana.
A trupe Koskowisck promove oficinas voltadas ao clown e ao universo circense. O grupo já apresentou cerca de 20 montagens diferentes e viajou pelo país com a peça "O Moço que casou com Mulher Braba". Atualmente, está com matrículas abertas para "O Teatro e a Comédia", estudo que busca a reflexão e pesquisa prática pelo universo do humor.
A trupe Nativos Terra Rasgada, que conta com a participação de ex-professores da Etac, desenvolve oficinas de teatro de rua em diversos bairros da cidade. O ator Flávio Melo destaca um dos trabalhos mais importantes do grupo, desenvolvido na Vila Helena: em cerca de 8 meses, criaram e apresentaram a montagem "Vila à Vista", projeto que incluiu 60 pessoas, entre atores e moradores do bairro, sem limite de idade. Ele recorda que ao final da temporada, quando deixariam o bairro, uma das alunas indagou: "Vocês vêm para cá durante praticamente um ano, nos mostram essa nova realidade, mudam a nossa vida, e agora simplesmente vão embora?" Para o ator, foi um choque, que conduziu o Nativos Terra Rasgada a pensar em projetos mais longos com a comunidade.
Além das oficinas, existem cursos de teatro oferecidos por instituições na cidade. A Fundec (Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba), em parceria com a Prefeitura de Sorocaba, abre cerca de 130 vagas por ano, em janeiro, por meio de teste. As aulas são ministradas pelo ator e diretor Mário Pérsico e o curso têm a duração de 2 anos. O Sesi traz um curso com seis horas semanais, divididas entre técnicas específicas, como dança-teatro, teatros performático e narrativo, entre outros, e no final do ano, uma peça é apresentada.
Confira alguns cursos oferecidos na cidade:Oficina Cultural Regional Grande Otelo
Cursos gratuitos são oferecidos ao longo do ano. No momento, não há inscrições para teatro.
Praça Frei Baraúna, s/nº
Telefone: (15) 3224-3377 / 3232-9329
luiz.toledo@jcruzeiro.com.br
Salas vazias e um sentimento latente de esperança. Foi o que restou da Escola Técnica de Arte e Comunicação de Sorocaba (Etac) e para o diretor de teatro e ator Tom Barros, além dos mais de 700 alunos que por lá passaram nos seus cinco anos de funcionamento. Localizada em três diferentes endereços ao longo de sua existência, por questões administrativas, a Etac deixou sua marca na cidade, plantando sonhos e buscando, por meio do teatro, incentivar "novas visões de mundo" aos seus alunos, nas palavras de Tom Barros. Do início, em 2006, ao fechamento, em dezembro de 2011, o diretor diz que o saldo do trabalho foi expressivo: mais de 50 espetáculos inéditos apresentados em Sorocaba e região. No último semestre de atividade, dispersaram-se 8 professores e cerca de 100 alunos, que passaram a buscar um novo espaço dentro das artes cênicas. O episódio ocorrido com a escola suscita a discussão sobre como viver de teatro na cidade e a forma como a produção artística é encarada por aqui.
Leia também: A arte de viver de arte
Barros é sucinto e cauteloso ao falar dos motivos que determinaram o fechamento da escola. "Foram problemas financeiros consecutivos", relata. A primeira sede, situada na rua Padre Luiz, 665, enfrentou alguns problemas pela falta de estacionamento aos alunos, motivando a ida para uma casa na rua Ema Zacchi Police, 73, esta desapropriada para a construção de uma escola infantil. "O endividamento se acumulou de forma que a terceira sede, na rua Castanho Taques, 227, já não tivesse o fôlego das unidades anteriores", explica o diretor.
A maior preocupação de Barros, ao perceber que precisaria encerrar as aulas da Etac, era que as atividades do último semestre de 2011 não fossem prejudicadas, nem os espetáculos em andamento se desmantelassem pelo desânimo. "A opção foi manter segredo até o último momento. Depois de apresentadas as peças, eu revelei a todos. Simplesmente não abri matrícula no começo de 2012", explica.
O diretor tem pretensões de retomar o ensino de teatro no futuro, mas já adianta que somente se houver algum incentivo público. "Quero me distanciar do ensino privado, pois a dor de perder a Etac foi grande. Para mim, foi como a vitória do capitalismo sobre a arte", filosofa.
Opções de cursos
Apesar de não existirem dados oficiais, a Associação Teatral de Sorocaba (ATS) aponta aproximadamente 10 grupos de artes cênicas em atividade atualmente na cidade. Para o cálculo, foram levados em consideração a periodicidade dos espetáculos apresentados e a receptividade do público. Vale ressaltar que muitos desses grupos desenvolvem também oficinas abertas à população, possibilitando uma introdução ao teatro. As aulas também são uma forma de angariar recursos financeiros às companhias.
A Companhia Camarim, dirigida por Hamilton Sbrana, existe há 10 anos, e apresenta um repertório vasto. A Cantata de Natal na Estação foi uma das recentes realizações da trupe. Junto à Camarim, formou-se, no início do ano passado, a Casa do Ator, oficina para quem deseja aprender teatro, mesmo sem possuir nenhuma experiência, ou mesmo para perder a timidez. "A Casa do Ator ensina teatro, mas muitos nos procuram por outras razões. Alguns querem ter mais disciplina para passar em um vestibular, ou mesmo para conseguir falar em uma entrevista de emprego", explica Sbrana.
A trupe Koskowisck promove oficinas voltadas ao clown e ao universo circense. O grupo já apresentou cerca de 20 montagens diferentes e viajou pelo país com a peça "O Moço que casou com Mulher Braba". Atualmente, está com matrículas abertas para "O Teatro e a Comédia", estudo que busca a reflexão e pesquisa prática pelo universo do humor.
A trupe Nativos Terra Rasgada, que conta com a participação de ex-professores da Etac, desenvolve oficinas de teatro de rua em diversos bairros da cidade. O ator Flávio Melo destaca um dos trabalhos mais importantes do grupo, desenvolvido na Vila Helena: em cerca de 8 meses, criaram e apresentaram a montagem "Vila à Vista", projeto que incluiu 60 pessoas, entre atores e moradores do bairro, sem limite de idade. Ele recorda que ao final da temporada, quando deixariam o bairro, uma das alunas indagou: "Vocês vêm para cá durante praticamente um ano, nos mostram essa nova realidade, mudam a nossa vida, e agora simplesmente vão embora?" Para o ator, foi um choque, que conduziu o Nativos Terra Rasgada a pensar em projetos mais longos com a comunidade.
Além das oficinas, existem cursos de teatro oferecidos por instituições na cidade. A Fundec (Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba), em parceria com a Prefeitura de Sorocaba, abre cerca de 130 vagas por ano, em janeiro, por meio de teste. As aulas são ministradas pelo ator e diretor Mário Pérsico e o curso têm a duração de 2 anos. O Sesi traz um curso com seis horas semanais, divididas entre técnicas específicas, como dança-teatro, teatros performático e narrativo, entre outros, e no final do ano, uma peça é apresentada.
Confira alguns cursos oferecidos na cidade:Oficina Cultural Regional Grande Otelo
Cursos gratuitos são oferecidos ao longo do ano. No momento, não há inscrições para teatro.
Praça Frei Baraúna, s/nº
Telefone: (15) 3224-3377 / 3232-9329
Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba -Fundec
Curso gratuito de teatro abre vagas somente em janeiro, por meio de teste.
Rua Brigadeiro Tobias, 73
Telefone: (15) 3233-2220
Programa "Mais Cultura", da Prefeitura de Sorocaba
As aulas gratuitas de teatro. A inscrição pode ser feita em diversos endereços, dependendo da oficina desejada.
Para saber o local, e obter outras informações, o telefone é (15) 3211-2911
Grupo Nativos Terra Rasgada
Oficinas de teatro de rua, vagas abertas
rua Princesa Isabel - 607 -Vila Carvalho
Informações: (15) 3032-0312
Sesi - Núcleo de Artes Cênicas (NAC)
Dança-teatro, teatros narrativo e performático e outras técnicas (de graça)
20 vagas, seleção por teste
rua Duque de Caxias, 494, Mangal
Informações: (15) 3388-0419
Camarim - Casa do Ator
Aulas de teatro, vagas abertas
rua Vicente Decária, 373 -Jardim Rosária Alcoléa
Informações: (15) 2104-5489 ou 2104-1243
Trupe Koskowisck
Oficinas com vagas abertas
Rua da Penha, 823, 3ºAndar Centro Sorocaba/SP
Informações: (15) 2104-8873, (15) 9746-8589 ou (15) 9111-4336
Para outras informações, o telefone da Associação Teatral de Sorocaba (ATS) é (15) 3032-0312.
A arte de viver de arte
Notícia publicada na edição de 25/02/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno C - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
O diretor Mário Pérsico / foto: Fábio Rogério
Luiz Fernando Toledo
luiz.toledo@jcruzeiro.com.br
É possível viver de teatro em Sorocaba? Para se aproximar de uma resposta e, principalmente, levantar uma reflexão sobre o tema, o Mais Cruzeiro ouviu alguns diretores já renomados na história do teatro sorocabano, além de atores e estudantes.
Hamilton Sbrana, da Companhia Camarim e também professor do projeto "Mais Cultura" (mantido pela Prefeitura), comemora o momento. Para ele, a cidade vive uma época próspera e favorável às artes num contexto geral, fator ocasionado, segundo ele, pelo interesse da Prefeitura de Sorocaba em promover a cultura como forma de combate a outras questões como a violência e a miséria. "A procura pelos cursos é muito grande, o que mostra que o sorocabano está tendo grande interesse pela arte", comenta Sbrana. "A Fundec, por exemplo, não consegue atender a demanda de alunos que tentam se inscrever no curso e acaba tendo que limitar as vagas", explica. Sobre a qualidade dos projetos locais, ele rasga elogios: "Temos produtores de cultura de alto nível em nossa cidade. Atores e autores que não se focam apenas na cidade, mas que têm destaque em todo o Brasil", comenta o diretor, enquanto cita nomes como Fernanda Maia e Robson Catalunha. Sbrana também fala do projeto "Mais Cultura", da Secretaria de Cultura e Lazer (Secult) em parceria com a Secretaria da Educação (Sedu), que promove oficinas gratuitas de balé, jazz, teatro, dança de salão, flauta, capoeira, violino e guitarra em diversos locais da cidade. "Acredito que a cidade esteja ressurgindo das cinzas. Estamos retomando o tempo áureo de Sorocaba, nas década de 40 e 50, quando levávamos a nossa arte para todo o país", conclui.
O professor e ator Mário Pérsico, que dirige e atua na Cia. Clássica de Repertório e dá aulas de teatro na Fundec, faz menção à Lei de Incentivo à Cultura (Linc) e sua relação com a produção artística desde a sua criação, em 1998. "Foi possível sonhar mais e desenvolver melhor os trabalhos, no sentido de produção: maquiagem, figurino, cenário entre tantas outras coisas." Além disso, o ator relata que a preparação dos atores se profissionalizou: "Agora, é possível contratar professores de canto, de preparação corporal e o que for preciso para sair do âmbito do teatro amador", comenta. Em contrapartida, Pérsico alerta os acomodados: "É importante manter a criatividade. Sem apoio financeiro, os diretores e atores precisavam buscar cenário e roupa que não tinham, o que fortalecia e muito a imaginação no espetáculo. Hoje com a Linc, o perigo é que esse consciente criativo se perca no comodismo", reforça.
Na dicotomia "arte x produto", o diretor Roberto Gill de Camargo, que é professor no curso de Teatro (Habilitação em Arte-Educação) da Uniso e fundador de um dos grupos mais renomados da história da cidade - o Katharsis -, é direto. "O profissional de teatro precisa viver, pagar suas contas, recolher encargos (INSS, FGTS,plano de saúde), aluguel e tudo o que um cidadão comum faz. A bilheteria não cobre isso, mesmo com a ajuda dos editais. No caso do Katharsis, quase todos exercem a docência, além de participarem das peças", explica. Para ele, trata-se de uma disputa complexa: "Falar em arte no capitalismo é utopia. O que interessa é o produto, a mercadoria, o consumo, o dinheiro, a fama e a alienação. Essa dicotomia entre arte e mercadoria existe no mundo todo."
Um exemplo prático da situação é vivido pela atriz Bárbara Diggelmann. Recém-formada em Teatro - Arte e Educação pela Uniso, Bárbara chegou a apresentar 10 espetáculos em um ano, quando estava na faculdade. Apesar da experiência adquirida, viu a necessidade financeira de deixar os palcos de lado e partir para sua segunda opção: dar aula. "É muito difícil começar um grupo de teatro fazendo o que os outros já fazem sem verba, porque o público não paga grandes valores para assistir peças e há pouco incentivo", salienta. A atriz acabou descobrindo um campo pouco explorado pelos recém-formados na região, o teatro terapêutico: Bárbara passou a realizar oficinas de arte numa instituição de saúde mental. E já avisa: "aos preconceituosos que afirmam que teatro não é terapia, eu digo que é possível sim utilizar-se dele - e da arte como um todo- como meio terapêutico, desde que possa se contar com técnicos e equipe capacitados para tanto", argumenta. E a atriz se diz satisfeita: "A impossibilidade de atuar nos palcos me fez descobrir algo que merece mais atenção e que me cativa mais a cada dia".
Apesar das dificuldades, idas e vindas, o interesse pelo teatro é grande, e não faltam exemplos de jovens que se empenham em conseguir um espaço na cidade. A estudante de teatro Luciane Cavassana, de 17 anos, veio de Angatuba para cá, deixando pais, escola e hobbies, em busca de um curso que a capacitasse para o mercado de trabalho nas artes cênicas. "Pesquisando na internet, minha mãe encontrou a Fundec e a Etac, e me deu total apoio para vir morar aqui. Como minha irmã vive em Sorocaba, foi mais fácil", comenta. Apesar de já ter concluído o curso de 2 anos na Fundec, e do desfecho da Etac, ela foi adiante: "Faço várias oficinas e workshops na Oficina Cultural Grande Otelo e também um curso de comédia dado pela Trupe Koskowisck", diz. O saldo foi positivo para a estudante, que comenta com satisfação: "Sinto que se eu tivesse ficado morando lá no interior jamais teria o conhecimento que eu tenho agora e sou muito feliz assim", completa, em tom de satisfação.
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