Pode um objeto ser mais vivo que uma pessoa?
Gosto mais de pianos que de pessoas. Não é misantropia. É conceitual. Sempre esteve comigo e nunca sequer notei. Distraio-me facilmente em lugares onde um piano descansa, aguardando por alguém para tocá-lo. Seja o piano que serve como estante de livros e quinquilharias, seja um instrumento desafinado e abandonado em uma antiga estação de trem. Adianto que não me sinto anormal: defina-me anormalidade. Afinal, afeiçoar-se a um objeto sem vida poderia ser explicado como uma forma de compensar tudo aquilo que não se conquistou em meio às relações humanas.
A questão é que ouvir o que o outro tem a dizer é muito mais belo quando soado em notas naturais, acrescidas de acidentes bemóis e sustenidos. Foi, talvez, a mais transcendental forma que um ser humano encontrou para dizer aquilo que sente já que os dicionários eram pequenos demais. Ouvir a fala de alguém muitas vezes parece uma epopeia - e com o perdão do pleonasmo - das grandes.
O piano diz até mesmo o que não faz sentido, afinal, a arte não precisa tê-lo. A nona sinfonia é uma destas ausências, embora muitos busquem compreendê-la. Até mesmo os pequenos Etudes ou as bachianas brasileiras. Elas têm sob sua importância um pilar histórico, é claro, mas não algum tipo de lógica intrínseca como a de um livro, por exemplo.
As teclas do piano oferecem resposta imediata ao toque, diferente das pessoas que são lentas, submetidas aos próprios desejos e ao instinto de perversão, se é que ele existe. Estas teclas não nos dizem o que queremos, mas o que somos capazes de tirar delas. Dependem de nós ao mesmo tempo que nos comandam e nos fazem sentir.
Sinto-me bem próximo a qualquer piano. A música resultante de nosso encontro não é forma de mitigar o constrangimento entre nós, mas um laço afetivo. Não é como as pessoas, que ao se encontrarem pela primeira vez, precisam da música como um escape de sua timidez ou apenas por não terem o que dizer.
O piano assume sua vontade de ser tocado, diferente das pessoas que impõem infinitas barreiras às carícias e a tudo aquilo que mais anseiam: o contato com o outro.
Quando ouvir o toque de um piano, não hesite: pare tudo o que está fazendo e ouça. Temos muito o que aprender com ele.
Acredito que o piano é um instrumento inspirado com sopro divino, mandado pelos deuses (sejam eles quais forem) para expurgar a dor humana.
ResponderExcluirVocê não só aprecia o piano, mas senti que é parte indissociável dele...Que o mede e o compreende em cada centímetro e em cada tom.
A arte das palavras é muita rara Luiz, nem todos sabem como usá-la.
Você é um grande artista.
Almas sedentes de arte introspectiva necessita de mais desses.