domingo, 29 de abril de 2012

A cultura do "Zé Perguntinha"

Perguntar demais é chato?

Pensei muitas vezes antes de dar título a este texto. "Zé Perguntinha" foi um apelido que alguns estudantes de jornalismo da minha sala me deram (nunca me chamaram assim pessoalmente, apenas fizeram citações em redes sociais) há aproximadamente um ano, pelo fato de eu fazer muitas perguntas na sala de aula. Só fui descobrir que isso os incomodava depois que um aluno me contou a origem de tal apelido. Nunca parei para pensar muito na questão, pois de certa forma até me senti bem com o termo. Enquanto alguns eram conhecidos por escreverem textos horríveis ou por falarem bobagens escabrosas durante as aulas, ser conhecido como "o chato que faz muitas perguntas" era até elogioso, apesar da conotação negativa adotada pelos colegas.

 O peso da situação adveio de uma problemática muito maior que uma simples falta de empatia entre alunos de uma sala. Em que momento na história da educação, invertemos os papéis do aluno dentro de uma universidade? Até o colegial, era comum que os estudantes odiassem as disciplinas que eram obrigados a estudar. Isso fazia com que não tivessem nenhum interesse no conteúdo que era passado pelo professor, e obviamente não surgiriam perguntas por parte dos alunos, a não ser que o conteúdo "fosse cair na prova". Se o sistema está certo ou errado em tornar obrigatórias estas disciplinas, não cabe a mim nem a este texto julgar. Mas o que dizer de um estudante universitário que tem "vergonha" de fazer perguntas? A opção específica pelo curso de jornalismo (que não é do tipo de carreira que chame a atenção por vantagens financeiras, mas de realização pessoal) já restringiria a resposta de que o aluno está lá por obrigação. Menos ainda, levando em consideração que estou falando do último semestre. Só cursam os que realmente têm interesse em exercer a profissão.


 Ao fim de cada seminário ou palestra, o professor sempre costuma perguntar: "alguém tem alguma dúvida?", e todos se calam, enquanto desviam o olhar uns aos outros vendo se algum "chato" vai falar algo. É uma espécie de pacto, no qual todos buscam um meio de que a aula se encerre logo, para que possam ir embora. Não quero isolar o caso para um exemplo que eu estou passando, pois tenho certeza que o mesmo problema ocorre em qualquer outro curso.

Cito aqui a frase socrática mais clichê de todo o universo da filosofia (pena que ser clichê não foi o suficiente para que a interpretassem bem): "Só sei que nada sei". Se alguém não se questiona nunca, como espera entender qualquer conteúdo? Se tem medo de ser mal visto pelos colegas e por isso compromete o próprio aprendizado, como espera se destacar em um mercado de trabalho extremamente ingrato e competitivo, como o dos jornalistas?

 Pode apostar que o repórter que supervisiona o estagiário já foi um Zé Perguntinha. O editor dele também. E o editor-chefe, provavelmente o maior "chato questionador" de todos. Afinal, o jornalismo é ou não é a profissão da inquietação e da dúvida que não se acomoda?

Um comentário:

  1. Eu, no papel de mediadora entre os alunos e o conhecimento, temo cada dia mais por essa situação.

    É um processo que começa mesmo na escola e acompanha as pessoas pra toda vida, em todas as situações.

    Pensar é difícil e incomodo, quem faz isso é chato mesmo.

    Eu tenho em deprimido com essa situação, porque não sei como mudá-la.

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