quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Televisão, memórias, morte e renascimento

Relato pessoal


Desativei o sinal da TV aberta há alguns anos de minha rotina. Bons anos. Tanto que fiquei surpreso ao ver, em um aparelho ligado numa padaria, que William Bonner tem os cabelos brancos. Das poucas lembranças deste grande jornalista brasileiro, ficou aquela do dia em que ele chorou pela morte de Roberto Marinho, ao vivo.

Era 2003 e eu tinha apenas 11 anos. Se hoje entendo pouco sobre quase nada, naquela época entendia pouco menos um. Partindo da ideia de que quanto mais se sabe, menos se sabe, talvez eu fosse mais inteligente há uma década. A vida de um pré-adolescente resume-se a uma preocupação: acabar logo a semana de provas para poder jogar mais videogame. Isto e, para alguns, suportar a briga cotidiana dos pais que não economizavam ofensas. A morte do "dono" da Rede Globo não queria dizer nada diante destas problemáticas pessoais. Mas ver um homem sério e de terno se emocionando em frente à câmera era bastante comovente, confesso.

Em outra oportunidade, descobri que o Ratinho continua na televisão (pode me chamar de atrasado, eu realmente não sabia). Falando besteiras como nunca. Ou talvez eu não entendesse o que ele dizia quando, em 2004 ou 2005, assistia aos divertidos circos de gente brigando por exames de DNA. Talvez estivesse ocupado demais apaixonando-me pela primeira vez por uma menina da escola. Tendo, pela primeira vez na vida, interesse pela leitura de revistas. De videogame, é claro (eles sempre me acompanharam, não tenha dúvidas). Ocupado também com as brigas das pessoas que eu mais amava, prestes a optar pela separação. É por isso que quando vejo o Ratinho promovendo imbecis como Marco Feliciano em seu programa, não consigo sentir raiva, mas algum tipo de amizade. Ele me fazia rir na época em que eu não acessava a internet.

Fátima  Bernardes tornou-se uma verdadeira inimiga de um possível traço infante de mim. Seu programa tomou conta do horário que mais me traz boas lembranças: os desenhos. O maior troféu da infância era assistir Digimon e conversar do último episódio com os colegas de sala. O jornalismo, que hoje é meu maior aliado, era rival da turma. Toda vez que acontecia alguma "coisa de adulto", como o ataque às torres gêmeas de 11 de setembro, todos ficavam sem saber a última digievolução do Agumon. Quando morreu Mário Covas, fiquei sem saber o resultado daquele duelo de cartas de Yugi e Kaiba (do desenho Yu-gi-oh). Eu só não queria que todos os jornalistas sumissem do mapa porque isso ia acabar virando notícia e iria atrapalhar os desenhos do mesmo jeito.  

Pois o fim inevitável chegou: meus pais se separaram e minha televisão nunca mais ligou. Não que estes dois acontecimentos tenham uma ligação direta entre si, mas construí algumas de minhas memórias ao lembrar do que acontecia na telinha (telinha mesmo, meu aparelho era de 14 polegadas). Não é só o conteúdo ruim, são memórias que me tiraram dali. Os desenhos que não voltam mais. Depois de cada briga, a oportunidade de uma reconciliação.

Os videogames também desapareceram. Foi com meu pai que terminei o primeiro jogo da minha vida, "Sonic the Hedgegoc 3", para Master System. A lição deste velho narigudo que quase não tenho mais contato atualmente foi de persistência: "você tenta até conseguir. Demoramos uma semana pra terminar, mas conseguimos. Não importa quantas vezes você morreu". 

E por muitas vezes eu morri e tentei de novo. Quando vi que minha mãe queria desistir de tudo e se isolar, eu morri e tentei de novo. Quando meu irmão teve dificuldades na escola, eu morri e tentei de novo. Quando meu pai se casou novamente, eu morri e tentei de novo. Para conseguir exprimir este breve texto, eu morri e tentei de novo. De novo e de novo. 

Tento não morrer até hoje.

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