Crônica
As grandes revoluções pessoais costumam começar em pequenas organizações práticas. Arrumar o próprio armário, por exemplo. Afinal, diante da complexidade da vida, nada como arrumar os pares de meia e os livros antes de arrumar a si mesmo. Tem que começar fácil.
Você abre as portas do móvel e vê todas as camisas espalhadas. Enquanto dobra uma a uma, percebe que só as usa para ir trabalhar ou estudar. A primeira pequena revolução pessoal é prometer que vai sair mais. Conhecer mais pessoas. Relacionar-se melhor.
Os livros, que fizeram amizade com alguma porção de pó, descansam há meses sem serem lidos. Especialmente os de ficção, que foram substituídos aos poucos por todos aqueles textos chatos e técnicos que se é obrigado a ler para ser alguém na vida. A segunda revolução pessoal pede mais tempo para viajar em boas histórias.
Jogo no cesto do lixo aquela foto que traz lembranças indesejadas.
Completando o caos organizacional, um pacote de bolachas aberto há pelo menos duas semanas começa a reunir formigas de todos os tamanhos. Colecioná-las não seria má ideia, mas a terceira revolução pessoal é alimentar-se melhor.
Olho para o cesto e trago a foto de volta.
A quarta revolução pessoal está perdida entre notebook, tablet, celular, HD externo e inúmeros carregadores para todos esses dispositivos. Arrumar tempo offline. Dar-se o presente de ficar indisponível para o mundo em alguns minutos. Ninguém é tão indispensável quanto pensa.
Seguro a foto com força suficiente para amassá-la. Fecho a mão e começam a surgir as rachaduras no papel. Rasgo. Jogo os pedaços no chão e empurro com o pé para escondê-los sob a cama. Sinto que toda a reflexão durante o ato não passou de auto-ajuda barata.
Revolução é o caralho. Daqui a uma semana o armário vai estar todo bagunçado novamente. Assim como a vida de quem o organizou.
Por culpa da foto. Da lembrança. Por culpa do lado sensível da vida. Não existe ordem nenhuma.
Desistindo da quarta revolução, ligo o notebook e escrevo sobre a experiência que falhou. Ao lado de uma pilha de livros que precisam ser estudados. Com um imenso pacote de bolachas. Com fones de ouvido para não falar com ninguém.
A foto? Continua embaixo da cama, rasgada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário