domingo, 7 de outubro de 2012

Uma marca que marca


Fiz uma tatuagem. Se você é meu amigo no Facebook, já deve até estar de saco cheio, pois já escrevi muitas coisas sobre ela e postei diversas fotos.  Estou me divertindo com a situação. Se o verbo em primeira pessoa que introduz este parágrafo não for suficiente, gostaria de acrescentar em uma frase toda que este texto é pessoal. Muito pessoal. Ao mesmo tempo, sinto vontade de compartilhar a ideia, então aí vai.

Uma parte interessante de registrar qualquer figura na pele é a reflexão que o ato nos traz. De trilhões de megabytes de informação em forma de imagens ou textos, apenas esta ou aquela é merecedora de uma parte de nosso corpo. Que critério usamos para tomar esta decisão? Cairei na ingenuidade mais do que rasa se eu apontar que é apenas por um motivo específico. Pode ser por amor, por saudosismo, por estética. E mesmo nesta última opção, aparentemente superficial, a psicologia pode nos mostrar que  tatuar-se tem muito a dizer de quem somos e o que idealizamos sobre nosso corpo.


Mas é certo que pensamos, e muito. A figura ficará estampada por toda uma vida e fará parte de nós. Estampada para que os outros vejam (ou, dependendo do local, para que apenas alguns tenham o privilégio).


Esta foi minha primeira tatuagem. Os amigos foram os primeiros a ficar surpesos, já que eu nunca gostei muito de personalizar o corpo com brinco, piercing, alargador. Eu fui o segundo. Surpreso, porque a vontade foi tão espontânea que eu fiquei com a ideia fixa rodeando meus pensamentos por uma semana e não consegui me segurar.

Também surpreso pelo meu entusiasmo em fazer um desenho que já não faz parte da minha realidade, mas que participou muito de minha infância: caso você não tenha reconhecido pela imagem, são dois Pokémons  (apenas um já foi colorido). Pode rir, pois eu também ri. Com meus amigos, por sinal. "Você viu que loucura? Eu tatuei um desenho japonês no meu braço!". Nunca levei estas coisas a sério. Algumas semanas antes, comentei com uma amiga que não tinha a menor vontade de fazer uma tatuagem na vida. Mas que pensamento líquido, este meu.

Não frequento eventos de animes e nem os assisto, para falar a verdade. Não fiz faculdade de design ou de qualquer outra área relacionada ao visual. Fiz jornalismo, um curso tido parte pela seriedade e formalidade, parte pela desejo de uma cultura plural. E mesmo assim a pergunta não se resolvia e eu continua rindo de mim mesmo: por quê esse desenho? Estou ficando maluco? Será crise de identidade? Ou como diria minha mãe, "muito tempo ocioso"? Talvez seja um pouco de tudo isso.

Só que nenhuma destas respostas me deixou acomodado. Continuei me perguntando. Ao mesmo tempo que me perguntava, comecei a mudar as perguntas: por que não tatuei uma frase de algum autor que eu considere bonita? Ou uma figura abstrata com alguma complexidade? Por que não uma ideia mais complexa, mais "madura", como já questionaram alguns?

E finalmente a resposta mais óbvia (e que talvez você fique até com raiva de mim pelo mistério que conferi a ela nos últimos minutos deste texto) me surgiu: porque é uma imagem que me alegra. Talvez pela lembrança de uma infância gostosa e bem vivida, em que os amigos se reuniam para assistir desenhos e comer pão de queijo. "Alegria por alegria". Precisa ter motivo?

Eu poderia muito bem ter colocado na pele aquela máxima de Heráclito que eu considero a mais bela de todas dentro de qualquer visão da vida que já li até hoje: "O homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem". É linda. É filosófica. Descreve toda uma vida. Mas traz uma lembrança feliz? Não. Quem sabe algum dia traga.

Acho que nem tudo precisa de razões absurdamente complexas para existir. Assim como quem gosta de receber flores vê beleza nelas sem ter motivo. Ou quem ouve qualquer miniatura de Bach já se encanta, mesmo desconhecendo o design inteligente em que a peça foi criada (e se a flor possui o mesmo design inteligente ou não, deixo que outros discutam).


A pequena grande reflexão que este episódio me trouxe é breve: "o que faz com que eu me sinta bem?". Uma pergunta tão besta que  eu entenderia se alguém criticasse. Muito daquilo que é a produção intelectual é um meio, mas será que também é o fim? Sou realmente feliz com aquilo que eu faço? E com aquilo que penso? Como diz aquele vídeo que circulou na internet há algumas semanas: se eu não precisasse trabalhar e não existisse o dinheiro, com que atividade eu passaria o resto dos meus dias?


Criei para mim uma última pergunta que está ajudando a conhecer uma fração pessoal muito difícil de tirar.  "Se eu fosse fazer uma segunda tatuagem, o que ela seria?" Difícil, pois sou humano e tenho amarras sociais, psicológicas e fui ensinado a negar coisas que gosto por serem consideradas descartáveis. Fico surpreso a cada nova ideia (e nem sei se colocarei alguma em prática ou não). É um personagem de um jogo de videogame. Uma capa de um livro. Um quadro que tenho no meu quarto. Até mesmo a letra "H" do seriado House. É o nome de uma banda. É o meu pequeno mundo das pequenas coisas.

Tornei prático o clichê dos clichês. Entre os bons, é claro. Uma breve libertação, eu diria. E o que são os clichês, afinal, se não uma obviedade muito discursada, mas pouco usada? Que venha a segunda tatuagem.






2 comentários:

  1. Belíssimo texto!
    Confesso que ri um pouco, mas achei uma atitude corajosa. Acho maravilhoso quando percebo que em pequenas atitudes como essa, ainda existem pessoas que pensam exatamente igual a mim!
    Se deixarmos a criança que existe dentro de nós morrer, os pequenos momentos felizes da vida passarão despercebidos. Quando éramos crianças nós não precisávamos de muito para sorrir, era uma bola, uma pipa, um desenho, ou apenas a incrível imaginação que tínhamos.
    Achei lindo da sua parte, ter algo que você possa ver todos os dias e lembrar-se de como era feliz quando criança, mais que isso, lembrar que você pode ser feliz HOJE, lembrar que você não precisa de muito para sorrir, nunca precisou nem quando criança!
    Aquela criança que éramos ontem foi o que nos fez ser o que somos hoje, e com tantas outras preocupações que temos, acabamos nos esquecendo dela, como se fosse um simples passado, algo que se foi e não volta mais, sem perceber que nós nunca devíamos tê-la deixado ir.
    Quando olho para a sua tatuagem a única coisa que consigo ver é uma mensagem que todos deviam seguir... “Hoje é mais um dia para sorrir”.

    Alyssa Modesto.

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  2. Obrigado. =)
    Realmente, eu também continuo rindo sempre que olho para o braço, mas é o tipo de riso que eu quero levar pra sempre vida, seja lá no que for.

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