quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Com a palavra, Seu Toninho

O voto é mesmo consciente?

Seu Toninho acomodava-se sentado sobre a guia da calçada, próximo a um ponto de ônibus. Conversava em um tom de voz relativamente baixo com outro homem, - este parecia bem mais jovem - mas suficiente para ser ouvido por quem também ali se aconchegou para aguardar o transporte. O assunto que lhes tomava a atenção era o mesmo que invade a casa de todas as famílias brasileiras, de quatro em quatro anos: as eleições municipais. O local do diálogo influenciou que tópico seria discutido por eles, da maneira mais informal que se possa imaginar: a qualidade do transporte público da cidade. Seu Toninho – só pude saber seu apelido, pois o interlocutor deste senhor não se cansava de repeti-lo – dizia que há muito, em Sorocaba, se reclama de atrasos e problemas com algumas linhas específicas.

- Isso já é véio na cidade, fio. Ônibus atrasa sim e em dia que tá quente, é um inferninho danado. Mas melhorou bastante de uns tempos pra cá. Eu até gosto de passear nele de vez em quando. É assim mesmo, cê acostuma.

O transporte chegou. Acabei ocupando um lugar logo atrás de Seu Toninho e seu colega, e assim ouvi opiniões dúbias do bairro em que partimos até o terminal. Descobri que este senhor de aparência tranquila tinha um neto que estudava em uma creche municipal e estava muito satisfeito com o trabalho lá desenvolvido. Descobri também, que a vizinha do rapaz mais jovem procurou vaga na mesma creche e não a obteve. Ambos estavam satisfeitos com a construção do Banheiro Público no Centro. Por outro lado, concordavam sobre a demora no atendimento em alguns postos de saúde. Opiniões genéricas, como não poderiam deixar de ser. Pouco citaram o nome dos candidatos a prefeito da cidade, embora Seu Toninho, logo nos primeiros minutos, já tivesse manifestado um nome de sua preferência. A conversa se esgotou, quando já estávamos próximos ao terminal, com uma dúvida que universalizava em Seu Toninho, o cidadão comum que trabalha todos os dias e não tem tempo para acompanhar todas as minúcias da política, querendo apenas o melhor para si, sua família e sua cidade, num contexto geral:

- Acho que vou votar nele mesmo, mas não sei direito. O cara tem ideias muito boas, mas vi que os outros também têm. Eu sei que ele também num é nenhum santo, mas como eu vou saber o que é verdade e o que não é, de tudo isso que sai no jornal? Nem tenho tempo pra ver tudo. Política é uma desgraça mesmo. Só querem saber de roubar da gente.

O jovem manifestou-se que talvez votasse nulo, tanto para prefeito, quanto para vereador. Todos desceram. Pela conversa, não pude descobrir se Seu Toninho era parente, amigo ou se havia acabado de conhecer o rapaz mais jovem naquele mesmo ponto de ônibus. Sequer soube o nome deste segundo personagem. Tampouco qual era a profissão deles. De classe C ou D? Jamais saberia. Mas não era a primeira vez que ouvia este tipo de opinião. 

Aliás, a maioria dos jovens (com a minha idade, ou mais novos) acabam optando pelo voto nulo por sua descrença na política. Não concordo, mas entendo o que isto representa. A menos de uma semana para as eleições, é este o quadro de grande parte da população. A pesquisa Ibope/TV Tem indica 24% de indecisos na cidade de Sorocaba (SP). Este número diz que uma parcela da população não respondeu ao questionamento sobre quem votar de maneira precisa, mas não diz que os outros 76% têm certeza absoluta do que estão dizendo. Já manifestaram o seu voto, mas também têm dúvidas. Alguns escolhem o candidato pela propaganda na televisão, outros pelo debate eleitoral. Outros já foram conquistados com um aperto de mão e uma promessa firmada com um “olho-no-olho”, nas visitas dos candidatos aos bairros da cidade. Mas certeza absoluta, para não entrarmos num debate filosófico, possivelmente não exista, salvando a exceção das militâncias partidárias. Mas aqui não falamos de partidarismo, mas do povo. Esse senhor que não acompanha o jornal todos os dias e tem muitas dúvidas e o rapaz que nem gosta muito de política então diz que vai votar nulo. É a eles que me refiro.

E se não existe, é porque votar é uma tarefa hercúlea. Destas de subir a montanha, enfrentar um exército de inimigos, matar o dragão e salvar a princesa. Ou qualquer outra versão menos fantasiosa que vier ao leitor. Mas uma tarefa árdua. Um prefeito tem quatro anos para decidir e executar os rumos da cidade, planejar e remanejar o orçamento para as secretarias e melhorar a vida da população. O eleitor, que costuma deixar tudo para a última hora, costuma ter apenas três meses para decidir quem é o melhor para fazer tudo isso. Na maioria das vezes, como Seu Toninho, dois ou três dias.

Se quiséssemos ser totalmente racionais com o voto, sem deixar escapar nem um detalhe, precisaríamos de muito mais de três meses. Ler todos os jornais da cidade. Conhecer a história destes jornais e saber se têm alguma ligação a qualquer sigla, antes de tudo. Teríamos trabalho de jornalista: entrevistar secretários de governo, funcionários públicos e comerciantes. Entender profundamente de economia e gestão pública para avaliar os gastos realizados pela prefeitura. Ter conhecimento jurídico para avaliar possíveis casos pendentes com a justiça e até mesmo opinar se a decisão de um ministro ou juiz é válida ou não, mediante determinada ação. No voto utópico, seríamos todos doutores.
O comercial da TV poderia mudar para “Vote consciente, mas não tanto assim”. A consciência é relativa. Se o voto fosse uma tarefa simples, os mais estudados entrariam em consenso com facilidade. Mas sabemos que isto não existe. Os quatro candidatos são extremamente inteligentes e o demonstram nos debates e em suas campanhas eleitorais. É indubitável. Embora muitos discordem, não existe aqui a dicotomia do bem e do mal. Existem ideias, propostas e personalidades que diferem muito entre si.

Se as pessoas são assim, multipolarizadas, seus representantes não podiam ser diferentes. Um imbróglio de sentimentos, história de vida, currículo, ideologia. Tudo junto e embaralhado para o eleitor organizar com o tempo hábil de quem toma um ônibus e discute no caminho. De quem faz uma pausa no almoço e conversa com o colega de trabalho. De um diálogo descontraído num final de semana. E é este mesmo eleitor, que não se sabe a idade, o nome ou a profissão - mas que carrega consigo o pesar do esforço diário de seu trabalho – quem vai decidir o futuro de nossa cidade e por que não, do Brasil. Sobre o pedestal máximo da democracia, ali está ele: Seu Toninho.

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