O
livro “Cidade Digital” é um estudo meticuloso da influência dos novos meios de
comunicação à nossa sociedade. Fruto de esforços de um conjunto de
pesquisadores – tanto alunos de iniciação científica, quanto mestrandos e doutorandos
- da Universidade Federal da Bahia – UFBA, a obra compreende informações
obtidas ao longo de dois períodos: de 2001 a 2003, e de 2004 a 2005.
Buscando
respostas em vários aspectos da “Cidade Digital”, os autores concentram suas
forças, na introdução, a explicar e exemplificar o termo “cibercidade” (ou
cyber city, digital village, telecity, etc).
André
Lemos, doutor em sociologia pela Université René Descartes, em Paris, e diretor
do centro de estudos de cibercidade, introduz a obra com a definição “primária”(ou
experiência, como colocado por Lemos)
do termo “cibercidade”:
O
termo cibercidade abrange quatro tipos de experiências que relacionam cidades e
novas tecnologias de comunicação e informação. Em primeiro lugar, e parece ter
sido essa a origem do termo, entende-se por cibercidade projetos governamentais
privados e/ou da sociedade civil que visam criar uma representação na Web de
uma determinada cidade. Cibercidade é aqui um portal com instituições,
informações e serviços, comunidades virtuais e representação política sobre uma
determinada áreas urbana.
Lemos expõe outras definições
do termo a o longo da introdução. Mas a palavra “cibercidade”, neste livro,
refere-se mais especificamente a essa:
Entende-se
também, em segundo lugar, por cibercidade, experiências que visam criar
infra-estrutura, servições e acesso público em uma determinada área urbana
(...) O objetivo principal é criar interfaces no espaço eletrônico com o físico
através de oferecimentos de teleportos, telecentros, quiosques multimídia ares
de acesso e novos serviços com as tecnologias sem fio como smart phones e redes
Wi-Fi.
Vale destacar também a
seguinte definição , que abrange alguns estudos do livro:
Há uma quarta categoria, que podemos chamar de
cibercidades metafóricas, formadas por projetos que não representam um espaço
urbano real. (...) São basicamente sites que visam criar comunidades virtuais
(fóruns, chats, news, etc.) e que utilizam a metáfora de uma cidade para
organização do acesso e da navegação pelas informações.
O
uso de celulares ou de internet não é exatamente uma novidade. O que mudou, nos
últimos anos, é o acesso que a população obteve, e as novas utilizações desses
meios. Para entender o crescimento do uso dessas ferramentas, o primeiro
capítulo faz um estudo que se concentra em quantificar: “Incluindo o Brasil na
era digital”.
Algumas
perguntas são abordadas e vão sendo explicadas pelo texto: O que está sendo
feito pela inclusão digital no Brasil? Quais são os projetos do governo para
fornecer acesso à internet e às tecnologias da informação e comunicação ao
povo?
Como
método de pesquisa, buscaram sites na internet que possuíssem informações da
inclusão digital no Brasil, incluindo projetos existentes, metas, etc. O
primeiro capítulo exibe alguns dos programas brasileiros para a inclusão
digital, e os explica, como no trecho a seguir, sobre o projeto “Cidadão Pará”:
Através
do Barco Cidadão – que possui 32 metros quadrados, 15 computadores interligados
em rede, impressoras, scanner, internet , alojamento e refeitórion – o programa
procura levar à população ribeirinha do Estado informações e serviços, como
acesso à internet e cursos para que esse acesso seja possível.
Uma
das observações postas por Lemos nesse primeiro capítulo, é o fato de que
muitos pensam na inclusão digital apenas por um lado: o de possuir computador e
internet. Apenas com o meio, o cidadão continua sem ferramentas que o levem a
compreender como funciona o mundo digital e como utilizá-lo da maneira correta,
tornando a internet, celular, computador e etc, inutilizáveis. Dessa forma, a
citação a Lessig torna-se importante: “a
exclusão digital mais importante não é o acesso a uma caixa. É a habilidade de
se tornar um poderoso com a linguagem que esta caixa trabalha. Senão somente
poucos podem escrever com esta língia, e todo o resto está reduzido a ser
apenas leitores. (Daley apud Lessig, 2004).
Nos
primeiros capítulos que sucedem, a atenção se volta às redes sem fio, como no
capítulo três: “Redes sem fio no Brasil: infra-estruturas e práticas sociais”.
Em
uma breve introdução quantitativa do capítulo trêS, apresenta-se ao leitor as
redes wi-fi presentes no Brasil, abordando o histórico dessa tecnologia. Lemos
expõe uma comparação do wi-fi no Brasil e no mundo:
De
acordo com os dados da empresa de pesquisas americana In-Stat, em 2003, havia
43,85 mil hotspots instalados em todo mundo – um número que deveria chegar a
78,3 mil até o fim de 2004 e que deve chegar a 200 mil até 2008. No Brasil,
levando em conta a cobertura divulgada pela Vex, Telefônica e Brasil Telecom,
existem apenas 564 pontos de acesso. O uso ainda é muito tímido.
Lemos também aponta motivos
pelos quais o uso das redes é “tímido”:
Primeiro,
a população de notebooks no país é pouco expressiva – mal passa de meio milhão
de unidades. (...) Segundo, não há muita gente disposta a pagar mais um
provedor de acesso – o de Wi-Fi” Se por um lado, os usuários não se interessam
pelo serviço porque são poucos os lugares que oferecem sinais de acesso dentro
de suas cidades, por outro lado, as empresas de instalação de hotspots passam a
investir segundo a demanda. Sair desse círculo vicioso é um desafio para o
crescimento e a popularização do Wi-Fi no Brasil”.
As
redes de telefonia também são parte importante das cidades digitais. O acesso à
internet por meio de smart phones, e o uso de mensagens de texto via SMS
provocaram transformações na sociedade, que passou a se interligar, não só do
computador de sua casa ou em um hotspot, mas de qualquer lugar com sinal para
celular.
Novamente,
uma explicação quantitativa embasa argumentos ao tema. Definições de banda,
área, regiões e operadoras é exposta, além das tecnologias utilizadas no
celular no Brasil. A seguir um estudo a respeito do número de celulares no
país, que cresceu absurdamente na última década, de acordo com o autor:
Segundo
dados de novembro de 2004, o Brasil possui 61.188.734 celulares. No úiltimo
levantamento, que fizemos em 26/08/2005, o Brasil já possuía 76.578.970
celulares. Considerando a estimativa divulgada pelo IBGE, em agosto de 2004, de
que o país possui 181,5 milhões de habitantes, poderíamos dizer que de cada 100
habitantes, em média, 34 possuem celular.
O
livro faz o estudo de dois fenômenos surgidos com o SMS (textos enviados por
celular): Flash mobs e Smart mobs. Estes termos identificam a mobilização de um
determinado número de pessoas, levados por uma mensagem que se proliferou pelo
celular, a realizar uma ação em determinado momento:
As
flash-mobs são combinadas previamente para uma ação onde as pessoas aparecem,
executam algo e depois somem, retomando suas rotinas (...) Essas manifestações
relâmpago, apolíticas, onde pessoas que não se conhecem marcam, via rede ,
locais públicos para se reunir e se dispersar em seguida, causando estranheza e
perplexidade aos que passam(...)
As flash-mobs se diferenciam
das smart-mobs por não terem uma função específica. Podem se tratar de um
evento puramente artístico, para chocar um grupo de pessoas que estejam
presentes. Iniciada em Nova Iorque, essa prática já passou por diversas cidades
no mundo, como Berlim, Boston, Budapeste, Amsterdã, Londres. No Brasil, já
existem muitos registros de flash-mobs, o primeiro deles na Avenida Paulista,
em São Paulo. Alguns dos casos são relatados no livro, com data, local e uma
breve explicação do que ocorreu no evento:
Aconteceu,
no dia 22 de agosto de 2003, a primeira flash mob de Brasília. As instruções
eram cada um cronometrar o seu relógio com o do Observatório Nacional e ir para
frente do shopping Pátio Brasil vestido de preto, com uma folha branca na mão,
às 13h em ponto. Cerca de cem pessoas seguiram as instruções divulgadas via
internet e enrolaram suas folhas como lunetas e passaram a procurar estrelas no
céu. Apontaram, procuraram , gritaram “olha!” por, no máximo, cinco minutos.
Foram embora em seguida, sem dar explicações.
A estratégia funcionou. Quem presenciou a flash mob se esforçava para
entender o que acontecia. Olhavam para o céu, procurando o que os participantes
viam.
As smart-mobs possuem sempre algum vínculo
político ou social. Até o momento da publicação do livro Cidade Digital, não
houve casos de smart-mobs no Brasil.
Porém, outros casos em volta do globo mostraram que essas ferramentas podem
mobilizar uma população nas ruas, gerar protestos e organizar debates a favor
da sociedade. Para Rheigold, as smart mobs consistem de “pessoas que são capazes de agir em conjunto mesmo sem se conhecerem.
As pessoas que criam smart mobs interagem de uma forma jamais vista antes,
devido ao fato delas carregarem um dispositivo que possui capacidades de
comunicar e computar dados” (Rheigold, 2002, p. 12)
Segunda parte
O contexto do Brasil na
“Cidade Digital” é destrinchado na primeira parte do livro, que compreende os
seguintes capítulos:
Incluindo
o Brasil na era digital
Um
modelo de inclusão digital
Redes
sem fio no Brasil
A partir do quarto capítulo,
é feita uma análise geral do “governo no ambiente virtual”, a segunda parte do
livro: “Governo eletrônico e análise de
conteúdo e de interfaces portais governamentais brasileiros”.
Essa parte da obra faz um
estudo que mostra o poder da informação em nossa sociedade atual: a
transparência das atividades governamentais. Como introdução do tema, temos um
capítulo que aborda os tópicos básicos dessa “nova sociedade”: A transição do
mercado, as mudanças tecnológicas, e os programas governamentais para a
transparência da informação. Dentre os resultados encontrados, Lemos expõe o
programa “Sociedade de Informação no Brasil”:
O
objetivo do programa Sociedade da Informação no Brasil é: Integrar, coordenar e
fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação e comunicação, de
forma a contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros da nova
sociedade, e, ao mesmo tempo, contribuir para que a economia do País tenha
condições de competir no mercado global. (...)
Os agentes do programa,
segundo o estudo:
Governo;
Iniciativa
privada;
Sociedade
civil;
Mercado,
trabalho e oportunidades;
Universalização
de serviços para a cidadania;
Educação
na sociedade de informação;
Conteúdo
e identidade cultural;
Governo
ao alcance de todos;
P&D,
tecnologias-chave e aplicações;
Infraestrutura
avançada e novos serviços
Ainda de acordo com o
capítulo, define-se por governo eletrônico:
“um novo conceito de gerenciamento das organizações governamentais visando
menor custo, maior integração com os parceiros e consumidores e melhoria de
relacionamento com o usuário”.
Algumas questões são
levantadas ao tratar de governo eletrônico, por ser uma novidade (especialmente
na época de publicação dos estudos contidos no livro, há mais de 6 anos): Qual
é o seu poder transformador na sociedade? Quais as condições para construção de uma
sociedade no futuro?
Alguns benefícios que o governo eletrônico pode trazer:
- Fortalece o
processo de democratização dos governos.
- Melhora a
prestação dos serviços e consultas ao cidadão.
- Permite
maior transparência da administração pública
- Promove
maior eficiência da administração pública.
- Aumenta a
eficiência nos gastos públicos.
- Otimiza os
relacionamentos com os funcionários
O quinto e sexto capítulos do livro “Cidade Digital” fazem um
estudo aprofundado dos sites governamentais:
“Análise de conteúdo dos portais governamentais” e “Análise da interface dos portais governamentais. Metodologia e teste
piloto”. Com essa perspectiva, foi
feita a análise de todos os portais dos estados e capitais respectivas do
Brasil, cadastrados no site www.brasil.gov.
Foram procurados os seguintes temas nos portais: Educação, Infra-Estrutura, Saúde,
Transporte, Segurança, Turismo, Cultura e Lazer, Judiciário, Compras, Licitação
e Cadastro, Orçamento e Orçamento Participativo, Indicadores sócio-econômicos,
Legislação, Ouvidoria, Atendimento ao cidadão, Vínculo social, Provedor
Público, Interação com os representantes, Notícias, Diário Oficial, Comércio
Eletrônico, Órgão e Secretarias, Serviço de busca, Mapa, Contador, Data de
início e atualização.
A partir desses requisitos, os sites foram analisados (tanto em
qualidade quanto em quantidade), no período de 2002 a 2003. Posteriormente,
fizeram a mesma pesquisa no período de 2004 a 2005, fazendo um comparativo.
Dos estados pesquisados, os que obtiveram maior pontuação no
“ranking” de maior número de informação foram os seguintes: São Paulo (91,30%),
Paraná (86,95%), Rio Grande do Sul (82,60%), Bahia (82,60%) e Ceará (65,21%).
Em uma visão geral, “Cidade
Digital” é bem detalhista ao explicar as mudanças sofridas pela sociedade com
as novas mídias e meios de comunicação, neste contexto da infraestrutura urbana.
Percebemos que a “revolução da informação” trouxe novas formas de enxergar o
mundo e facilitar o acesso a uma grande quantidade de conteúdos. Ainda falta
uma maior democratização desses meios, já que nem todos têm acesso à internet
ou sabem como participar ativamente da rede. Mas de qualquer forma, as cidades
não são as mesmas. Pouco a pouco, estão se transformando em um ambiente
generalizado de acesso e controle da informação.
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