domingo, 6 de novembro de 2011

Análise do livro Cidade Digital


O livro “Cidade Digital” é um estudo meticuloso da influência dos novos meios de comunicação à nossa sociedade. Fruto de esforços de um conjunto de pesquisadores – tanto alunos de iniciação científica, quanto mestrandos e doutorandos - da Universidade Federal da Bahia – UFBA, a obra compreende informações obtidas ao longo de dois períodos: de 2001 a 2003, e de 2004 a 2005.


Buscando respostas em vários aspectos da “Cidade Digital”, os autores concentram suas forças, na introdução, a explicar e exemplificar o termo “cibercidade” (ou cyber city, digital village, telecity, etc).

André Lemos, doutor em sociologia pela Université René Descartes, em Paris, e diretor do centro de estudos de cibercidade, introduz a obra com a definição “primária”(ou experiência, como colocado por Lemos) do termo “cibercidade”:

O termo cibercidade abrange quatro tipos de experiências que relacionam cidades e novas tecnologias de comunicação e informação. Em primeiro lugar, e parece ter sido essa a origem do termo, entende-se por cibercidade projetos governamentais privados e/ou da sociedade civil que visam criar uma representação na Web de uma determinada cidade. Cibercidade é aqui um portal com instituições, informações e serviços, comunidades virtuais e representação política sobre uma determinada áreas urbana.
Lemos expõe outras definições do termo a o longo da introdução. Mas a palavra “cibercidade”, neste livro, refere-se mais especificamente a essa:
Entende-se também, em segundo lugar, por cibercidade, experiências que visam criar infra-estrutura, servições e acesso público em uma determinada área urbana (...) O objetivo principal é criar interfaces no espaço eletrônico com o físico através de oferecimentos de teleportos, telecentros, quiosques multimídia ares de acesso e novos serviços com as tecnologias sem fio como smart phones e redes Wi-Fi.
Vale destacar também a seguinte definição , que abrange alguns estudos do livro:
Há uma quarta categoria, que podemos chamar de cibercidades metafóricas, formadas por projetos que não representam um espaço urbano real. (...) São basicamente sites que visam criar comunidades virtuais (fóruns, chats, news, etc.) e que utilizam a metáfora de uma cidade para organização do acesso e da navegação pelas informações.

O uso de celulares ou de internet não é exatamente uma novidade. O que mudou, nos últimos anos, é o acesso que a população obteve, e as novas utilizações desses meios. Para entender o crescimento do uso dessas ferramentas, o primeiro capítulo faz um estudo que se concentra em quantificar: “Incluindo o Brasil na era digital”.

Algumas perguntas são abordadas e vão sendo explicadas pelo texto: O que está sendo feito pela inclusão digital no Brasil? Quais são os projetos do governo para fornecer acesso à internet e às tecnologias da informação e comunicação ao povo?

Como método de pesquisa, buscaram sites na internet que possuíssem informações da inclusão digital no Brasil, incluindo projetos existentes, metas, etc. O primeiro capítulo exibe alguns dos programas brasileiros para a inclusão digital, e os explica, como no trecho a seguir, sobre o projeto “Cidadão Pará”:

Através do Barco Cidadão – que possui 32 metros quadrados, 15 computadores interligados em rede, impressoras, scanner, internet , alojamento e refeitórion – o programa procura levar à população ribeirinha do Estado informações e serviços, como acesso à internet e cursos para que esse acesso seja possível.
Uma das observações postas por Lemos nesse primeiro capítulo, é o fato de que muitos pensam na inclusão digital apenas por um lado: o de possuir computador e internet. Apenas com o meio, o cidadão continua sem ferramentas que o levem a compreender como funciona o mundo digital e como utilizá-lo da maneira correta, tornando a internet, celular, computador e etc, inutilizáveis. Dessa forma, a citação a Lessig torna-se importante: “a exclusão digital mais importante não é o acesso a uma caixa. É a habilidade de se tornar um poderoso com a linguagem que esta caixa trabalha. Senão somente poucos podem escrever com esta língia, e todo o resto está reduzido a ser apenas leitores. (Daley apud Lessig, 2004).

Nos primeiros capítulos que sucedem, a atenção se volta às redes sem fio, como no capítulo três: “Redes sem fio no Brasil: infra-estruturas e práticas sociais”.

Em uma breve introdução quantitativa do capítulo trêS, apresenta-se ao leitor as redes wi-fi presentes no Brasil, abordando o histórico dessa tecnologia. Lemos expõe uma comparação do wi-fi no Brasil e no mundo:

De acordo com os dados da empresa de pesquisas americana In-Stat, em 2003, havia 43,85 mil hotspots instalados em todo mundo – um número que deveria chegar a 78,3 mil até o fim de 2004 e que deve chegar a 200 mil até 2008. No Brasil, levando em conta a cobertura divulgada pela Vex, Telefônica e Brasil Telecom, existem apenas 564 pontos de acesso. O uso ainda é muito tímido.
Lemos também aponta motivos pelos quais o uso das redes é “tímido”:

Primeiro, a população de notebooks no país é pouco expressiva – mal passa de meio milhão de unidades. (...) Segundo, não há muita gente disposta a pagar mais um provedor de acesso – o de Wi-Fi” Se por um lado, os usuários não se interessam pelo serviço porque são poucos os lugares que oferecem sinais de acesso dentro de suas cidades, por outro lado, as empresas de instalação de hotspots passam a investir segundo a demanda. Sair desse círculo vicioso é um desafio para o crescimento e a popularização do Wi-Fi no Brasil”.
As redes de telefonia também são parte importante das cidades digitais. O acesso à internet por meio de smart phones, e o uso de mensagens de texto via SMS provocaram transformações na sociedade, que passou a se interligar, não só do computador de sua casa ou em um hotspot, mas de qualquer lugar com sinal para celular.

Novamente, uma explicação quantitativa embasa argumentos ao tema. Definições de banda, área, regiões e operadoras é exposta, além das tecnologias utilizadas no celular no Brasil. A seguir um estudo a respeito do número de celulares no país, que cresceu absurdamente na última década, de acordo com o autor:

Segundo dados de novembro de 2004, o Brasil possui 61.188.734 celulares. No úiltimo levantamento, que fizemos em 26/08/2005, o Brasil já possuía 76.578.970 celulares. Considerando a estimativa divulgada pelo IBGE, em agosto de 2004, de que o país possui 181,5 milhões de habitantes, poderíamos dizer que de cada 100 habitantes, em média, 34 possuem celular.
O livro faz o estudo de dois fenômenos surgidos com o SMS (textos enviados por celular): Flash mobs e Smart mobs.  Estes termos identificam a mobilização de um determinado número de pessoas, levados por uma mensagem que se proliferou pelo celular, a realizar uma ação em determinado momento:

As flash-mobs são combinadas previamente para uma ação onde as pessoas aparecem, executam algo e depois somem, retomando suas rotinas (...) Essas manifestações relâmpago, apolíticas, onde pessoas que não se conhecem marcam, via rede , locais públicos para se reunir e se dispersar em seguida, causando estranheza e perplexidade aos que passam(...)
As flash-mobs se diferenciam das smart-mobs por não terem uma função específica. Podem se tratar de um evento puramente artístico, para chocar um grupo de pessoas que estejam presentes. Iniciada em Nova Iorque, essa prática já passou por diversas cidades no mundo, como Berlim, Boston, Budapeste, Amsterdã, Londres. No Brasil, já existem muitos registros de flash-mobs, o primeiro deles na Avenida Paulista, em São Paulo. Alguns dos casos são relatados no livro, com data, local e uma breve explicação do que ocorreu no evento:

Aconteceu, no dia 22 de agosto de 2003, a primeira flash mob de Brasília. As instruções eram cada um cronometrar o seu relógio com o do Observatório Nacional e ir para frente do shopping Pátio Brasil vestido de preto, com uma folha branca na mão, às 13h em ponto. Cerca de cem pessoas seguiram as instruções divulgadas via internet e enrolaram suas folhas como lunetas e passaram a procurar estrelas no céu. Apontaram, procuraram , gritaram “olha!” por, no máximo, cinco minutos. Foram embora em seguida, sem dar explicações.  A estratégia funcionou. Quem presenciou a flash mob se esforçava para entender o que acontecia. Olhavam para o céu, procurando o que os participantes viam.


As smart-mobs possuem sempre algum vínculo político ou social. Até o momento da publicação do livro Cidade Digital, não houve casos de smart-mobs no Brasil. Porém, outros casos em volta do globo mostraram que essas ferramentas podem mobilizar uma população nas ruas, gerar protestos e organizar debates a favor da sociedade. Para Rheigold, as smart mobs consistem de “pessoas que são capazes de agir em conjunto mesmo sem se conhecerem. As pessoas que criam smart mobs interagem de uma forma jamais vista antes, devido ao fato delas carregarem um dispositivo que possui capacidades de comunicar e computar dados” (Rheigold, 2002, p. 12)

Segunda parte

O contexto do Brasil na “Cidade Digital” é destrinchado na primeira parte do livro, que compreende os seguintes capítulos:

Incluindo o Brasil na era digital
Um modelo de inclusão digital
Redes sem fio no Brasil

A partir do quarto capítulo, é feita uma análise geral do “governo no ambiente virtual”, a segunda parte do livro: “Governo eletrônico e análise de conteúdo e de interfaces portais governamentais brasileiros”.

Essa parte da obra faz um estudo que mostra o poder da informação em nossa sociedade atual: a transparência das atividades governamentais. Como introdução do tema, temos um capítulo que aborda os tópicos básicos dessa “nova sociedade”: A transição do mercado, as mudanças tecnológicas, e os programas governamentais para a transparência da informação. Dentre os resultados encontrados, Lemos expõe o programa “Sociedade de Informação no Brasil”:

O objetivo do programa Sociedade da Informação no Brasil é: Integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação e comunicação, de forma a contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros da nova sociedade, e, ao mesmo tempo, contribuir para que a economia do País tenha condições de competir no mercado global. (...)

Os agentes do programa, segundo o estudo:

Governo;
Iniciativa privada;
Sociedade civil;
Mercado, trabalho e oportunidades;
Universalização de serviços para a cidadania;
Educação na sociedade de informação;
Conteúdo e identidade cultural;
Governo ao alcance de todos;
P&D, tecnologias-chave e aplicações;
Infraestrutura avançada e novos serviços

Ainda de acordo com o capítulo, define-se por governo eletrônico: “um novo conceito de gerenciamento das organizações governamentais visando menor custo, maior integração com os parceiros e consumidores e melhoria de relacionamento com o usuário”.

Algumas questões são levantadas ao tratar de governo eletrônico, por ser uma novidade (especialmente na época de publicação dos estudos contidos no livro, há mais de 6 anos): Qual é o seu poder transformador na sociedade?  Quais as condições para construção de uma sociedade no futuro?

Alguns benefícios que o governo eletrônico pode trazer:

- Fortalece o processo de democratização dos governos.
- Melhora a prestação dos serviços e consultas ao cidadão.
- Permite maior transparência da administração pública
- Promove maior eficiência da administração pública.
- Aumenta a eficiência nos gastos públicos.
- Otimiza os relacionamentos com os funcionários

O quinto e sexto capítulos do livro “Cidade Digital” fazem um estudo aprofundado dos sites governamentais: “Análise de conteúdo dos portais governamentais” e “Análise da interface dos portais governamentais. Metodologia e teste piloto”. Com essa perspectiva, foi feita a análise de todos os portais dos estados e capitais respectivas do Brasil, cadastrados no site www.brasil.gov.

Foram procurados os seguintes temas nos portais: Educação, Infra-Estrutura, Saúde, Transporte, Segurança, Turismo, Cultura e Lazer, Judiciário, Compras, Licitação e Cadastro, Orçamento e Orçamento Participativo, Indicadores sócio-econômicos, Legislação, Ouvidoria, Atendimento ao cidadão, Vínculo social, Provedor Público, Interação com os representantes, Notícias, Diário Oficial, Comércio Eletrônico, Órgão e Secretarias, Serviço de busca, Mapa, Contador, Data de início e atualização.

A partir desses requisitos, os sites foram analisados (tanto em qualidade quanto em quantidade), no período de 2002 a 2003. Posteriormente, fizeram a mesma pesquisa no período de 2004 a 2005, fazendo um comparativo.

Dos estados pesquisados, os que obtiveram maior pontuação no “ranking” de maior número de informação foram os seguintes: São Paulo (91,30%), Paraná (86,95%), Rio Grande do Sul (82,60%), Bahia (82,60%) e Ceará (65,21%).

Em uma visão geral, “Cidade Digital” é bem detalhista ao explicar as mudanças sofridas pela sociedade com as novas mídias e meios de comunicação, neste contexto da infraestrutura urbana. Percebemos que a “revolução da informação” trouxe novas formas de enxergar o mundo e facilitar o acesso a uma grande quantidade de conteúdos. Ainda falta uma maior democratização desses meios, já que nem todos têm acesso à internet ou sabem como participar ativamente da rede. Mas de qualquer forma, as cidades não são as mesmas. Pouco a pouco, estão se transformando em um ambiente generalizado de acesso e controle da informação.

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